HOMILIA X DOMINGO DO TC/ A (Mt 9,9-13)

D. Paulo DOMICIANO, OSB

“Aprendei, pois, o que significa: ‘Quero misericórdia e não sacrifício.’”

Jesus manda os fariseus de volta para a escola para estudar mais e melhor a Escritura, para entender melhor este texto do profeta Oséias, que acabamos de ouvir também na primeira leitura. Mas hoje Ele manda também cada um de nós à escola da Escritura para verificar o que significa a misericórdia de Deus.

O episódio do chamado e da conversão de Mateus, no breve relato que acabamos de ouvir, é de uma simplicidade grandiosa. Mateus está “sentado”, ou seja, está bem instalado em sua vida, em seu negócio, que lhe rende riqueza, bem-estar material e poder, mesmo que isso lhe custe ser considerado um pecador público por parte de seus irmãos judeus. Jesus se aproxima, vê Mateus, e sem fazer nenhum discurso, diz simplesmente: “segue-me”. É extraordinário o que este “segue-me” imperativo e soberano de Jesus faz! Aquele homem bem instalado, “sentado”, “se levantou” e seguiu Jesus, certamente sem saber nem mesmo para onde iriam. Vale notar que onde os fariseus viam apenas um cobrador de impostos, Jesus vê um discípulo; onde viam um pecador público, Jesus vê um filho de Deus, criado à sua imagem e semelhança. A diferença, portanto, está em como decidimos ver as coisas, ou melhor, as pessoas.

“O que eu quero é misericórdia”. Deus nos chama a ver/olhar com misericórdia, ou seja, a ver como Ele mesmo vê. Mas isso só é possível quando também nós nos percebemos vistos por Deus, que nos olha com misericórdia.

Jesus viu Mateus, mas Mateus deixou-se ver, acolhendo o olhar salvador de Jesus. Ele aceitou ser visto como ele era, sem se esconder atrás de sua máscara, atrás de sua mesa de cobrador de impostos; ele não se esconde atrás das falsas seguranças garantidas pelo seu poder, mas se deixa ver em sua fragilidade, com sua doença, em sua condição de pecador. Por isso ele pôde receber a cura do médico Jesus.

Desta cena, ao redor da mesa da coletoria de impostos, passamos imediatamente a uma outra mesa, na casa de Mateus. Esta mesa também está rodeada de pecadores, mas agora eles não estão sozinhos, pois Jesus está sentado com eles. Mateus, que aceita o chamado de Jesus, já se torna um apóstolo e arrasta para sua casa, para o convívio com Jesus, seus antigos amigos, gente pecadora e marginalizada como ele fora.

Jesus, sentado à mesa com os pecadores, declara que veio para eles, para os doentes e não para os sadios, ou que se julgam sadios, melhor dizendo. Reconhecer-se no grupo dos doentes, reconhecendo-se pecador, não significa conformar-se com a doença do pecado. Temos de fazer uma distinção entre ser pecador e viver no pecado. Jesus nos chama a nos libertar do pecado, no entanto, continuamos sendo pecadores, dependentes da misericórdia de Deus. Mateus rompe com o seu pecado, deixa para trás a mesa de coletor de impostos, mas só pode sentar-se à mesa com Jesus porque reconhece que é fraco, tem fome e precisa ser alimentado por Ele, sendo curado a cada dia de sua enfermidade.

Hoje somos nós os convidados para nos sentar à mesa com Jesus, mas é preciso tomar a decisão de romper com o pecado, reconhecendo que somos enfermos.  Jesus também aceita sentar-se à mesa conosco para nos curar e para nos alimentar com o pão de sua Palavra e com seu Corpo e Sangue.

É preciso insistir, meus irmãos, que o lugar que o Senhor nos deixou para reconhecermos a nossa condição de pecadores que desejam mudar de vida é o sacramento da penitência, infelizmente, tão negligenciado em nossos dias. Este sacramento nos é oferecido como remédio para nossas enfermidades, que são nossos pecados, nossos vícios e debilidades. Nele, o próprio Senhor, o médico divino, vem em nosso socorro e cura nossas feridas. O poder salvador da morte e ressurreição de Jesus é derramado sobre nós, restaurando nossa dignidade de filhos amados de Deus.

Se achamos que não temos nada para confessar isso é um sinal de cegueira espiritual, pois todos somos pecadores e fracos. Estamos cegos quanto à nossa falta de amor a Deus, ao próximo e a nós mesmos, como os fariseus do Evangelho, que se consideram justos. Esse é o pecado que temos de confessar e pedir perdão.

Talvez o nosso mundo esteja tão enfermo atualmente justamente porque se esqueceu de buscar a cura onde ela pode ser encontrada: em Jesus, através dos sacramentos. Se o mundo buscasse alimento na Palavra e na Eucaristia não estaria tão faminto por segurança, sucesso, bens. Se buscasse na Confissão a graça da reconciliação não estaria tão neurótico, violento e na discórdia. Provavelmente se as filas dos confessionários fossem mais frequentadas os ambulatórios psiquiátricos e as farmácias estariam menos movimentados.

“Aprendei, pois, o que significa: ‘Quero misericórdia e não sacrifício.’ De fato, eu não vim para chamar os justos, mas os pecadores”. Aceitemos o convite de Jesus para frequentarmos esta escola onde se aprende e se vive o mistério da misericórdia: a Eucaristia e a Reconciliação.

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