HOMILIA VI DOMINGO DO TC/ A (Mt 5, 17-37)
D. Paulo DOMICIANO, OSB
Depois de nos anunciar as Bem-aventuranças e de nos declarar a identidade do discípulo que vive tais beatitudes é sal e luz do mundo, entramos propriamente no “Sermão da Montanha”. Jesus, como vimos, propõe as Bem-aventuranças como a nova Lei, não para se opor à lei tradicional, a Torá, mas para cumpri-la perfeitamente. Não podemos perder de vista o início deste discurso, que se abre com as Beatitudes, que são o anúncio de que o Reino de Deus está entre nós, ao nosso alcance.
Nos próximos capítulos de Mateus, Jesus contrapõe o “está escrito” com o “Eu, porém, vos digo”, dando a sua interpretação da Torá, com autoridade soberana; uma interpretação mais autêntica que a dos mestres da lei, mais próxima da intenção daquele que deu a Lei a Moisés, ou seja, Deus. Jesus é o cumprimento de toda a Lei e de toda profecia, pois Ele é a encarnação da Palavra de Deus. A Lei, a Palavra de Deus, só tem eficácia se for praticada, vivida; ora, Jesus a pratica e vive em sua integralidade, pois é o Verbo que se fez carne.
Estas palavras de Jesus nos provocam um verdadeiro choque… cada um de nós sabe o quanto custa para nós buscar ser justo, ser correto no agir e no cumprir nossos deveres e obrigações para com a sociedade e para com a religião. Mas hoje o Senhor nos põe em alerta: para entrar no Reino dos Céus não é suficiente ser um bom cumpridor de regras, mesmo os mandamentos de Deus. “Porque eu vos digo: Se a vossa justiça não for maior que a justiça dos mestres da Lei e dos fariseus, vós não entrareis no Reino dos Céus.”
Muitas vezes ouço nas confissões, principalmente daqueles que não se preparam bem para este momento: não matei, não roubei, não trai, então não sei bem quais são meus pecados… Vejam, o pecado não se limita ao não transgredir leis, como os do código de trânsito. O pecado está também na intenção de realizá-lo; muitas vezes não matamos, não roubamos, não traímos declaradamente, mas o fazemos em nossas intenções interiores ou através de nossa dissimulação, de gestos e palavras que camuflam nossas verdadeiras intenções, e nos enganamos a nós mesmos.
Através dessas antíteses entre “assim foi dito” e “mas eu vos digo”, Jesus nos revela o verdadeiro e profundo sentido dos mandamentos de Deus e ao mesmo tempo nos desmascara. Ele faz a nossa máscara de “devotos cumpridores da lei” se quebrar e nos coloca diante de nossa crua realidade: não somos justos. Somente Ele é justo, porque vem para cumprir integralmente toda a Lei, assumindo todas as suas consequências de viver segundo a vontade de Deus. Ele faz isso não para nos humilhar, mas para nos anunciar a Boa nova libertadora, para nos abrir este caminho de justiça, que somente Ele poderia abrir, para nos conduzir ao Reino dos Céus. Jesus nos faz o dom de sua própria justiça através do mistério pascal nos introduzindo em sua justiça, derramando sobre nós o seu Espírito, que grava em nosso coração a nova Lei, inspirando-nos e capacitando-nos a viver e agir como Ele mesmo.
A Palavra de Jesus se apresenta para nós hoje como um remédio contra toda duplicidade de nosso coração, toda falsa intenção, toda camuflagem de bondade aparente: “Seja o vosso ‘sim’: ‘Sim’, e o vosso ‘não’: ‘Não’. Tudo o que for além disso vem do Maligno”. O maligno que é o mentiroso, o pai da mentira (cf. Jo 8,44). Jesus, ao contrário, é o verdadeiro (cf Jo 14,6), Ele é o “Amém de Deus” (cf Ap 3,14), que nos abre o caminho da verdade de Deus e nossa própria verdade, nos modelando o coração para sermos homens e mulheres inteiros, íntegros, segundo o Espírito.