HOMILIA DO III DOMINGO DA PÁSCOA (Lc 24, 13-35)
D. Paulo DOMICIANO,OSB
Depois da visita das santas mulheres ao sepulcro e da corrida de Pedro e João até o túmulo vazio na manhã de Páscoa, o Evangelho deste domingo nos apresenta a sequência do relato em que o Ressuscitado se manifesta como um peregrino no caminho de Emaús a dois discípulos. Sempre no primeiro dia da semana. Lucas conta todos os eventos ligados à ressurreição num único dia; é um dia sem fim, é “o primeiro dia”, o dia da nova criação, o dia que não conhece ocaso, o Dia do Senhor Ressuscitado. Mas é também o nosso dia, o dia em que caminhamos pelas estradas do mundo, enquanto o Ressuscitado caminha ao nosso lado, até quando o reconheceremos definitivamente na mesa do banquete celeste.
Os dois discípulos deixam Jerusalém, abandonando o grupo dos discípulos. Eles acreditaram em Jesus, deixaram tudo para segui-lo, tentaram ao máximo manter viva a esperança: “Nós esperávamos que ele fosse libertar Israel, mas, apesar de tudo isso, já faz três dias que todas essas coisas aconteceram!” Infelizmente tudo fracassou… Agora, tristes, decepcionados e frustrados, estão provavelmente voltam para sua cidade de origem, que um dia deixaram para seguir Jesus. Pelos limites de nossa fé, nossa cegueira ou nossas ilusões, nós podemos nos reconhecer nesses dois personagens. Quantas vezes não nos encontramos em nossos caminhos nas mesmas condições que eles: amargurados pela experiência da desilusão da fé, da falta de esperança ou da tristeza por ver nossos sonhos se perderem. Sentimo-nos sozinhos caminhando nossos caminhos…
Mas o Senhor se aproxima deles, se aproxima de nós, faz estrada conosco. Ainda que nós não o reconheçamos, ainda que não consigamos percebê-lo nas realidades à nossa volta, nem mesmo nas Escrituras que lemos ou nos Sacramentos que celebramos, Ele caminha conosco, ouve nossos pensamentos e sentimentos mais profundos, perscruta aquilo que nos aflige e que nos leva às vezes ao desespero, mas também conhece aquilo que nos encanta, o que de bom e de belo desejamos.
Então Jesus, com paciência, “começando por Moisés e por todos os profetas, explicou-lhes em todas as Escrituras o que se referia a Ele”. O Ressuscitado explica aos discípulos a Sagrada Escritura, oferecendo a chave de leitura fundamental dela, ou seja, Ele mesmo e o seu Mistério pascal. Aos poucos, enquanto caminham, tudo aquilo que parecia sem sentido se abre e se torna claro aos seus olhos. Jesus tinha-lhes aberto a mente à inteligência das Escrituras. Por isso não podemos para de caminhar quando as coisas nos parecem obscuras e sem explicação; devemos seguir, confiantes que o Senhor está trabalhando em nosso coração e em nossa inteligência para que sejamos capazes de compreender as realidades como Ele mesmo as percebe.
Ao chegarem em seu destino, vendo que seu divino companheiro de viagem ia seguir adiante, os dois discípulos pedem para que Ele fique: “Fica conosco, pois já é tarde e a noite vem chegando!” Sim, é preciso reconhecer que a noite chega e que nos falta a luz. Por isso, como os discípulos de Emaús precisamos pedir para que Jesus fique conosco.
Jesus entrou e ficou com eles. “Quando se sentou à mesa com eles, tomou o pão, abençoou-o, partiu-o e lhes distribuía”. A referência aos gestos realizados por Jesus na Última Ceia é evidente. “Nisso os olhos dos discípulos se abriram e eles reconheceram Jesus”. Deste modo, o Evangelho nos oferece o testemunho de uma protoliturgia da Igreja primitiva, que realizamos até hoje em cada celebração da Eucaristia. O primeiro momento, com a partilha da Palavra com uma explicação à luz da ressurreição. Já o segundo momento é marcado pelo banquete, a fração do pão, onde se reconhece o Senhor. Este testemunho evangélico nos mostra também que é a liturgia que converte os discípulos de Jesus, primeiro em verdadeiros crentes e depois em mensageiros da ressurreição. Assim também deve acontecer conosco, que participamos deste mesmo mistério. O Senhor caminha conosco e espera, pacientemente, que possamos descobrir que Ele está junto de nós nas realidades de nossa vida, nos irmãos, nas Escrituras, nos Sacramentos da Igreja. Que Ele nos ajude a abrir os olhos e o coração para reconhecê-lo.