Solenidade de São Pedro e São Paulo | Domingo
At 12,1-11; Sl 33; 2Tm 4,6-8.17-18; Mt 16,13-19
Paróquia Senhor Santo Cristo (Cidade Tiradentes), São Paulo, SP.
03 de julho de 2022

Homilia

Pedro e Paulo são os dois pilares da Igreja, e o culto na Igreja sempre os celebrou juntos, como o fazemos ainda hoje. Seria difícil encontrar dois homens tão diferentes um do outro. Entretanto o mesmo amor de Cristo animava as suas vidas e ambos morreram mártires por causa de sua fé, em Roma, onde duas estátuas monumentais recordam a sua memória na Praça de São Pedro. Pedro representa os Doze que Jesus escolheu durante seu ministério aqui na terra, enquanto que Paulo é o protótipo de todos aqueles que foram posteriormente chamados para serem suas testemunhas.

A primeira leitura que ouvimos, e que é retirada da primeira parte dos Atos dos Apóstolos, apresenta-nos, de forma quase humorística, os primórdios do ministério de Pedro em sua autoridade sobre todos os Apóstolos e Discípulos, a morte de Jesus. Enquanto toda a comunidade primitiva se reúne e reza atrás de portas trancadas, Pedro se encontra primeiro na prisão, depois sai de uma forma espetacular, libertado por um anjo, para encontrar-se sozinho na rua. Pedro é realmente o tipo de pessoa a quem essas coisas acontecem. Alguém completamente aberto à graça, com uma simplicidade que sempre terá algo de infantil.

Já a segunda leitura nos faz ouvir um Paulo que chegou ao fim de seu apostolado, cansado, um pouco desiludido, e até um pouco complexado, que se queixa de que todos o abandonaram. É preciso dizer que não era fácil viver com ele. Marcos e Barnabé aprenderam isso da maneira mais difícil, já que foram seus principais companheiros. Entretanto, sua fé em Cristo é inabalável e ele a professará em sua morte, assim como Pedro.

Pedro era um pescador da Galiléia, provavelmente sem outra cultura além daquela que se poderia receber ouvindo os ensinamentos dados durante os cultos na sinagoga local. Paulo, além de judeu, era também cidadão romano de nascimento. Nascido em Tarso, recebeu a melhor formação intelectual que poderia ser recebida na época. Pedro viveu com Cristo durante todo o seu ministério público; Paulo havia encontrado Cristo somente no caminho de Damasco, em uma visão, quando perseguia os cristãos. Paulo tinha um temperamento explosivo e não era fácil de lidar; Pedro, com sua grande espontaneidade, que o levou a cometer muitos erros, também tinha a simplicidade que o tornava um líder que ninguém temia. Pedro e Paulo tiveram seus momentos de atrito e de esclarecimento; puderam divergir opiniões, mas sempre permaneceram unidos no amor do mesmo Cristo a quem ambos amaram até aceitarem a morte do martírio.

O trecho do Evangelho que ouvimos nos remete ao momento da primeira confissão de fé de Pedro e à missão que Jesus lhe deu de guiar a Igreja. Esta confissão de fé foi a resposta de Pedro à pergunta de Jesus: “E vós, quem dizeis que eu sou?” (Mt 16, 15). Acontece que damos uma conotação intimista a esta pergunta de Jesus, como se ele estivesse perguntando a cada um de nós “para vocês, quem sou eu?” ou “quem é Jesus para mim?”. Essa interpretação íntima e pessoal é linda, mas não é isso que Jesus está perguntando aos discípulos. Graças a Deus a nossa tradução litúrgica é boa, e nela vemos que Jesus literalmente lhes pergunta: “e vós, quem dizeis que eu sou?”, assim como ele havia perguntado um pouco antes: “quem dizem os homens ser o Filho do Homem?”. Percebam que o que o acento é colocado na importância dada ao ato de dizer quem é Jesus, ao ato de dizer qual é a sua fé.

Pode parecer um detalhe irrelevante, mas não é. A fé não é uma mera atitude interior do coração, muito menos um mero assentimento da mente. A fé deve ser dita. Ela deve ser dita em palavras, assim como em atos. Em resposta à pergunta de Jesus, Pedro confessa com a boca a Sua divindade: “Tu és o χριστός, o Filho do Deus vivo”. Mais tarde ele confessará Jesus por meio de toda a sua vida e, finalmente, o confessará também por meio a sua morte.

A Igreja é a comunidade de todos os que receberam a mensagem de Cristo – nós que recebemos d’Ele a mesma pergunta que Ele fez aos seus discípulos: “e vós, quem dizeis que eu sou?“. Cada um e cada uma de nós deve responder a esta pergunta da mesma forma que Pedro fez, afirmando nossa fé em palavras, e depois traduzindo essas palavras em uma vida de serviço a Cristo e à Igreja que é seu Corpo.

Todos somos chamados a proclamar o Evangelho vivendo-o, a anunciá-lo através de nossos atos. Mas isso não é o suficiente. Todos também somos chamados a proclamá-lo com palavras. Fazemos isso todos os dias ao longo de nossas celebrações litúrgicas, e em particular na doxologia de cada uma de nossas orações, onde dizemos “Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na Unidade do Espírito Santo”. Alguns são, inclusive, chamados a proclamar sua fé por meio da pregação. Mas, mesmo que não seja o nosso caso – o meu, por exemplo, não é, mas eis-me aqui! – esforcemo-nos para estarmos sempre bem conscientes desta ligação entre as nossas palavras e a nossa vida, na esperança, fundamentada nas próprias palavras de Jesus, de que se o confessarmos diante dos homens – com nossos lábios e com nossas vidas! – Ele também nos confessará perante o seu Pai e nosso Pai.

Dom Martinho do Carmo, osb

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