Santíssima Trindade – C
Jo 16,12-15
12 de junho de 2022
Irmãos e irmãs, quando éramos crianças, fomos ensinados a fazer o sinal da cruz, a dizer “Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo”, mas nos falaram, sobretudo, de Jesus. Foi ele quem, pela Encarnação, assumiu para nós o rosto de Deus. Além disso, basta entrar em uma igreja para perceber: é a cruz, muitas vezes com Jesus na cruz, que nos diz quem é Deus.
Como resultado, acho que foi muito difícil para nossos pais responderem às nossas primeiras perguntas sobre a Trindade. Além disso, lembro-me bem de uma discussão com um colega, quando eu não uns 10 anos, que me disse que Deus era Pai, Filho e Espírito Santo, quando para mim Deus era simplesmente Jesus. Falei sobre isso à noite com minha mãe, que confirmou as declarações do meu colega, mas não me lembro de que tenha tentado me explicar. E hoje, 30 anos depois, cabe a mim tentar iluminar-vos sobre a Trindade… Teremos compreendido que, celebrando a Santíssima Trindade, estamos no centro da fé cristã, no centro da especificidade fé e, ao mesmo tempo, talvez estejamos também no centro daquilo que é mais difícil de se compreender em nossa fé.
Como estava vos dizendo, Jesus é a própria revelação do rosto de Deus, mas não é a si mesmo que Jesus veio revelar ou manifestar. Se cremos na Trindade, é porque em Jesus ela nos foi revelada, nos foi dada. Por suas palavras e ações, em toda a sua vida e toda sua pessoa, de forma singular, Jesus revelou-se Filho e, portanto, Filho do Pai, e manifestou-se animado pelo Espírito do Pai. Por sua morte e ressurreição, Jesus é proclamado amado pelo Pai e, acima de tudo, justificado por ele; e Jesus, feito Senhor da glória, dá-nos o seu Espírito. A Trindade não é, portanto, uma elucubração intelectual, mas uma experiência, um encontro feito pelos primeiros cristãos e, finalmente, uma adesão feita por eles e, espero, também por cada um de nós.
Meditando e contemplando a vida de Jesus, descobrimos, portanto, a Trindade, e a Trindade que é relação. Nessa relação, não há dominação; ao contrário, é uma relação onde se dá e se recebe, não coisas, mas damo-nos e recebemo-nos a nós mesmos. O Pai é aquele que não quis guardar para si o que ele é – amor –, mas que, ao contrário, quis dá-lo. Da mesma forma, o Filho quis dar sua Palavra, quis entregar-se inteiramente, até à cruz, para finalmente dar-nos o sopro que nele habita, este Espírito Santo que nos “conduzirá à plena verdade” (Jo 12,13).
A distinção em Deus é desempenhada na relação, relação que é finalmente sua realidade última, a saber “ser por um outro” e “ser para um outro”. Há em Deus o que os teólogos chamam de “perichoresis” (ou “interpenetração”), isto é, esta penetração recíproca das pessoas divinas que, todavia, não estão nem separadas nem misturadas. Concretamente, para nós, isso significa que nossa unidade com Deus, assim como nossa unidade entre nós, não nos faz desaparecer. Não estamos destinados, como dizem os budistas e hindus, a nos misturar a Deus, nem em nossa substância corpórea, nem mesmo em nossa essência humana; mas somos destinados a nos tornarmos cada vez mais nós mesmos, escolhendo viver a plenitude de nossa humanidade que é o dom de nós mesmos, optando por uma vida de serviço aos outros, por causa daquele que Primeiro nos amou, e se entregou por e para nós. É o que o Cardeal Walter Kasper chama de “mística do encontro, da amizade e da comunidade com Deus, que tem lugar (se realiza e se irradia) através do encontro, da amizade e da comunidade humana… O mistério trinitário é (portanto) o fundamento mais profundo e o sentido último do mistério da pessoa humana e (de) sua realização no amor”. A Trindade é um dom, e é o dom que está na origem e no fim de nossa humanidade. Deus doa a si mesmo – em si mesmo e a nós – e é a nossa capacidade de nos doar que dirá qual é a qualidade do nosso acolhimento, a qualidade da nossa fé. Pois a fé nada mais é que doação e acolhimento: eu doo o meu sim, e acolho a promessa.
“O Espírito da Verdade, vos conduzirá à plena verdade”, diz Jesus. O Espírito nos fará compreender pouco a pouco este mistério da Trindade, mas esta verdade, que é o fundamento de nossa vida cristã – mas também de toda vida humana, pois vida humana plena é doação e acolhida! –, esta verdade não é apenas uma meta a ser alcançada. Ela já é, hoje, o ambiente em que evoluímos, o ambiente que nos gera para a vida: Deus nos gera para a vida por meio do amor que é capaz de doar, e vivemos desde hoje este amor que é mutuamente doado entre o Pai e o Filho por meio do Espírito; nós já estamos vivendo da e na Trindade.
Irmãos e irmãs, Jesus nos diz que tem “ainda muitas coisas a dizer-nos, mas não somos capazes de as compreender agora” (16,12). É verdade, mas então aproveitemos o tempo, o desejo de meditação do Evangelho, olhemos para o Filho em sua relação com o Pai, invoquemos o Espírito para que nos ilumine, e depois, simplesmente, de forma evidente, a Trindade estará presente e ativa, não em nossos cérebros, mas em nossos corações e nossas vidas.
Amém!
Dom Martinho do Carmo, osb