Homilia para a Solenidade Sagrado Coração de Jesus – Ano B,
proferida a 11 de junho de 2021
por Dom Martinho do Carmo OSB
Os 11,1.3-4.8c-9; Is 12,2-6; Ef 3,8-12.14-19; Jo 19,31-37
Caros irmãos e irmãs, em todas as culturas, o coração é concebido como o lugar onde residem os sentimentos, a afetividade e o amor. É por isso que, já desde a Idade Média, místicos como Gertrudes de Helfta, Catarina de Sena, Matilde, Margarida Alacoque, João-Eudes, desenvolvem uma devoção ao Sagrado Coração de Jesus, que não é uma devoção a um órgão físico, mas uma devoção ao amor divino vivenciado por Deus feito homem. Se esta devoção pôde ter conhecido em certos momentos expressões demasiado românticas e sentimentais, evidenciadas por uma vasta coleção de imagens piedosas de gosto bastante duvidoso, ela é, essencialmente, em sua primeira intuição, a contemplação do amor de Deus para conosco, encarnado em Jesus de Nazaré. E o relato do Evangelho que acabamos de ouvir nos mostra até onde foi esse amor.
A morte na cruz foi um suplício muito cruel. O condenado morreu asfixiado quando não conseguia mais ficar de pé para aliviar um pouco a pressão exercida em seus braços e em seu peito devido ao peso de seu corpo. A respiração tornava-se cada vez mais difícil e dolorosa e o condenado lentamente parava de respirar. Essa agonia poderia durar alguns dias. Por isso, se por algum motivo – por exemplo, a proximidade do sábado – se quisessem acelerar a morte do torturado, quebravam-se as pernas do condenado.
Mas Jesus não morreu dessa forma. Ele não parou lentamente de respirar. Ao contrário, ele entregou seu sopro – seu espírito – ao Pai, livremente, com um grande clamor. E por isso não foi preciso quebrar suas pernas. Entretanto, ele foi traspassado em seu lado com uma lança e de seu coração jorrou água e sangue.
A verdade, caros irmãos e irmãs, é que todos nós, humanos, por causa de nossos pecados, abrimos o coração de Jesus, após sua morte, com a lança do centurião romano. Mas isso não é algo necessariamente ruim, pois fazia parte do desígnio divino de salvação, e porque assim é que fomos aspergidos com a água e batizados no sangue que saiu deste coração aberto pela lança.
Poucos dias após a Ressurreição, Jesus convidava a todos nós, na pessoa de São Tomé, a penetrar em seu coração colocando a mão em seu lado aberto. O que descobrimos, então, neste coração aberto é o amor – um amor forte o suficiente para dar sua vida por aqueles que ama; um amor, como nos diz Paulo na segunda leitura, “que ultrapassa todo conhecimento” (Ef. 3,19). Assim, para utilizar outra expressão de Paulo, podemos (por meio dessa ferida aberta no lado de Jesus) “receber toda a plenitude de Deus” (id.).
Ao mesmo tempo em que entramos no seu coração, se lá nós nos estabelecemos, se lá nos enraizamos e estabelecemos nossa morada, como nos pede, o próprio Cristo, por sua vez, “habitará pela fé” em nossos corações (cf. Ef. 3,17).
Podemos nos sentir, talvez, indignos de tal relação amorosa. Mas, lembremo-nos do belo texto de Oséias que ouvimos na primeira leitura. É uma das mais belas expressões de toda a Bíblia da ternura de Deus. E essa ternura se expressa justamente com o povo infiel, que é comparado com uma esposa escolhida e amada por seu esposo desde seu nascimento.
O lado aberto de Jesus e a ferida de seu coração abriram em nossos próprios corações uma fenda pela qual pôde penetrar o Sopro entregue por ele a seu Pai na cruz, para que, como diz ainda São Paulo, o amor de Deus fosse derramado em nossos corações pelo Espírito Santo: o sopro de Jesus que nos foi dado, e que nos permite dizer, como ele e com ele: Abba, pater.
Que a Eucaristia desta manhã seja nossa ação de graças por tão sublime dom.
Amém!
Após a comunhão
Caros irmãos e irmãs, desde o início da quarentena na Itália, quando a missa no Vaticano era celebrada sem a participação dos fiéis, o Papa Francisco sempre convidava àqueles que não podiam comungar sacramentalmente a fazer a Comunhão espiritual com a seguinte oração:
Meu Jesus, eu creio que estais presente no Santíssimo Sacramento do Altar. Amo-vos sobre todas as coisas, e minha alma suspira por Vós. Mas, como não posso receber-Vos agora no Santíssimo Sacramento, vinde, ao menos espiritualmente, a meu coração. Abraço-me convosco como se já estivésseis comigo: uno-me Convosco inteiramente. Ah! não permitais que torne a separar-me de Vós!
Papa Francisco