Quarta-feira de cinzas (Mt 6,1-6.16-18)

D. Paulo DOMICIANO, OSB

Os textos propostos para nossa liturgia da Quarta-feira de Cinzas, como um pórtico de entrada, nos introduzem no caminho de conversão que é o Tempo da Quaresma, um itinerário de conversão.

Na primeira leitura, o profeta Joel nos exorta: “Agora, diz o Senhor, voltai para mim com todo o vosso coração, com jejuns, lágrimas e gemidos; rasgai o coração, e não as vestes; e voltai para o Senhor, vosso Deus; ele é benigno e compassivo, paciente e cheio de misericórdia, inclinado a perdoar o castigo” (Jl 2,12-13). Por sua vez, o apóstolo Paulo insistente sobre a necessidade de deixar-nos reconciliar com Deus, aproveitando este tempo favorável: “Em nome de Cristo, nós vos suplicamos: deixai-vos reconciliar com Deus. (…) É agora o momento favorável, é agora o dia da salvação” (2Cor 5,20.6,2).

A partilha, a oração e o jejum, vividos em atitude de interioridade e humildade, como indica o Evangelho (Mt 6,1-6,16-18), são as práticas concretas que devem nos acompanhar ao longo de todo o percurso quaresmal, como armas para um “combate”. De fato, o combate, ao lado da conversão, é o segundo tema característico deste tempo, como podemos perceber na Oração do dia: “Concedei-nos, ó Deus todo-poderoso, iniciar com este dia de jejum o tempo da Quaresma, para que a penitência nos fortaleça no combate contra o espírito do mal”. Contudo, é no primeiro domingo da Quaresmas que o tema do combate será mais evidente, com o Evangelho da tentação de Jesus no deserto.

Finalmente, o Salmo 50 é a resposta-súplica que a liturgia coloca em nossos lábios, onde o salmista, arrependido diante de Deus, pede um coração purificado, um espírito novo, lábios cheios de louvor. Como uma síntese do itinerário de conversão proposto, o Salmo evoca a disposição à penitência e já aponta com confiança para o júbilo pascal, que se concretizará na vitória de Cristo sobre a morte e o pecado na Ressurreição.

Ao apelo de conversão, que a Palavra de Deus nos dirigiu, segue-se a sequencia ritual da “bênção e imposição das cinzas”. Este rito litúrgico que iremos realizar, em forma de “liturgia penitencial”, é uma resposta ao apelo de conversão que ouvimos na Palavra de Deus e sinaliza a nossa resposta pública de adesão e disposição para percorrermos juntos o caminho quaresmal.

Curiosamente, o acento do rito não está propriamente sobre as cinzas como tais, mas no significado de sua imposição, ou seja, a disposição à penitência. Tanto é que, dentre as duas opções de oração para a bênção, a primeira invoca a bênção de Deus diretamente sobre os fiéis: “Derramai a graça da vossa bênção sobre os fiéis que vão receber estas cinzas, para que, prosseguindo na observância da Quaresma, possam celebrar de coração purificado o mistério pascal”; portanto, as cinzas que receberemos na cabeça não são algo mágico, miraculoso, mas símbolo do caminho de purificação que será iniciado hoje.

Evidentemente as cinzas utilizadas têm seu significado. Elas representam a nossa condição limitada de criaturas e de pecadores: “lembra-te que és pó, e ao pó hás de voltar” (Gn 3,19), como nos lembra a segunda fórmula de imposição das cinzas. Reconhecer-se como pó é um chamado à humildade, admitindo nossa condição frágil e limitada. Outro significado das cinzas está do fato de que não são qualquer pó, mas o resultado dos ramos do Domingo de Ramos do ano anterior que foram queimamos, nos apontando a direção da Semana Santa, para a dimensão pascal. Unido a este aspecto pascal, temos a água que usamos para abençoar as cinzas, que nos remete à dimensão batismal da Quaresma. As cinzas sujas falam de destruição e morte, nos recordam nossa fraqueza e nosso pecado, mas a água limpa faz reviver, dá vida e é uma fonte inesgotável dela, nos recordando que somos chamados a elevar a nossa humanidade mediante a incorporação ao Ressuscitado, o Senhor da Vida.

Depois de pronunciada a bênção das cinzas, nós nos aproximaremos para receber as cinzas sobre a cabeça. Neste rito é o corpo, e não somente o intelecto, que é solicitado para dar a resposta ao apelo de conversão dirigido por Deus. O ato de pôr-se de pé, sair do próprio lugar e ir até o sacerdote para ser marcado com o sinal sacramental das cinzas expressa em ato, com e no próprio corpo, o reconhecimento público, diante da comunidade dos irmãos, da minha condição de pecador e, ao mesmo tempo, minha disposição interior à conversão. Esta caminhada, simboliza o nosso próprio itinerário penitencial. Assim, a nossa procissão, acompanhada pelo canto, constitui um “ato de fé”, e a imposição das cinzas, acompanhada pelas palavras pronunciadas pelo ministro – “Convertei-vos e crede no Evangelho” – resumem ritualmente todo o itinerário de conversão quaresmal.

De fato, é urgente que nos deixemos conduzir por este caminho de conversão, como o profeta Joel e S.Paulo nos exortam. Que nos deixemos guiar pelo Espírito Santo, como Jesus, que foi conduzido ao deserto, para que nossa relação com Deus, com o próximo e conosco mesmos seja evangelizada e transformada. Que nossas práticas quaresmais se conversam em atos concretos de atenção para com o próximo e não apenas artigos de luxo que colecionamos para nos sentirmos melhor conosco mesmos. A Mãe de Deus caminha conosco nesta estrada de conversão e intercede por nós.  

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