1º DOMINGO DA QUARESMA (B) Mc 1,12-15

D. Afonso VIEIRA, OSB

Hoje é o Primeiro Domingo da Quaresma, tempo que começou com a Quarta-Feira de Cinzas e que nos prepara para o grande evento da Igreja que é a Páscoa do Senhor. O Evangelho de hoje, de São Marcos nos fala da ida de Jesus para o deserto, o que aconteceu depois de seu Batismo, por João e antes de realmente sua vida pública começar, como que um período de preparação para o que viria a seguir. Esse Evangelho começa com uma simples frase: “o Espírito Santo impeliu Jesus para o deserto” (Mc 1, 12). O texto nos dá a entender que é o Espírito que impulsiona Jesus. O Espírito que havia descido sobre Ele no Batismo em forma ade uma pomba. O Evangelista Marcos apenas menciona o período no deserto e a tentação como um prelúdio do início do ministério público de Nosso Senhor, mas não entra em detalhes de como Jesus viveu ali e após mencionar a prisão de João Batista, o seu precursor nos faz o chamado: “Convertei-vos e acreditai no Evangelho” (Mc 1,15). O texto remete precisamente o que tinha sido o ponto central do ensinamento de João Batista que é a conversão.

A Quaresma é sobretudo um período de reflexão sobre os mistérios da nossa redenção, onde no centro está a pessoa de Jesus Cristo e o seu ensinamento, são quarenta dias, esse número nos faz lembrar de outros tempos de provação como os dias de dilúvio, onde Noé, guiado por Deus conduz em segurança aqueles que creditaram nele (Gn 7). Os quarenta dias em que Moisés passou ao lado do Senhor sem comer pão ou beber água, escrevendo as tábuas da Lei (Ex 34). Os quarenta dias que Elias passou em caminhada até chegar ao Horebe, o Monte do Senhor (1Reis 19, 7); e é claro a lembrança que está mais viva na nossa mente que são os 40 anos em o povo demorou para chegar de volta à Terra Prometida. Apesar de, para nós, a Quaresma parecer um tempo pesado de luta, o Papa Paulo VI sublinhou que a Quaresma é, antes de mais, um tempo de alegria (Mensagem para a Quaresma de 1973). Se a Quaresma é um tempo de luta, é uma luta alegre, na qual acompanhamos Jesus na vitória total sobre o mal e a morte! Colocando em prática o que Ele mesmo nos disse: “Se jejuares, põe perfume no teu rosto” (Mt 6, 17). A Quaresma é um tempo para absorver o bom odor de Cristo, o perfume do Evangelho, e o repassar a outras pessoas. Marcos não fala nada sobre as tentações de Jesus, como Mateus e Lucas, mas apenas diz que ele é tentado por Satanás e que os anjos o servem. A arte de Satanás consiste em transformar os nossos desejos em tentações. E as tentações humanas são sobre o que temos a mão, no nosso dia a dia: o dinheiro, o poder, a gula, o sexo; todas elas tentações que nos causam violência interior ou exterior, porque mexem com nosso estado de espírito, causam busca e nos tiram a tranquilidade. Só a alegria é uma arma suficientemente forte para nos fazer resistir à tentação, como dizia São Paulo aos filipenses: “A vossa alegria seja conhecida de todos os homens” (Fp 4, 4)!

O nosso Salvador assumiu a forma humana, que é a nossa condição, e de nada Ele foi poupado até mesmo a experiência da tentação Jesus teve. Na sua natureza humana, Ele experimentou o que significa rejeitar Satanás e colocar as coisas divinas em primeiro lugar, e por isso Ele é um o nosso guia e modelo. Na sua condição humana Ele venceu a tentação e Satanás, sem se valer da sua condição divina, para nos mostrar que é possível vencer o mal e a morte. Conhecer Cristo significa tomar consciência da nossa necessidade de mudar de vida, toma-lo como modelo.

Em particular, é através da liturgia da Igreja que nos aproximamos de Cristo e experimentamos a sua presença entre nós. Nela nos tornamos “um” com Cristo no mistério pelo qual ele redimiu o mundo, e é nela, na Igreja e no que ela expressa em sua liturgia que aprendemos o que é a alegria evangélica, que é um dom, um fruto do Espírito de Jesus. É o tesouro da amizade com Jesus. Já não vos chamo servos, chamo-vos meus amigos (Jo 15,15). Foi no momento mais dramático da sua vida, nas vésperas da sua morte, que Jesus deu aos seus discípulos o dom desta alegria. A alegria é o pano de fundo em que as provações bordam a tapeçaria do amor fraterno. A alegria de saber que não estamos sós, a alegria de ter irmãos que nos suportam (aguentam) e nos suportam (servem e apoio) a alegria de saber que Deus se fez homem por minha causa e para me salvar!

A Primeira Leitura de hoje tirada do Gênesis nos mostrou como Deus é cheio de boas intenções e bons sentimentos em relação a nós, pois depois de haver lavado todo pecado da terra pelo dilúvio, misericordiosamente, o Senhor nosso Deus fez aliança com toda a humanidade e com todas as criaturas. E, de modo poético, comovente, o Senhor colocou no céu o seu arco, o arco-íris, como sinal de paz, de ponte que liga a criatura ao Criador, e com esta imagem tão sugestiva, a Escritura Sagrada nos diz que os pensamentos do Senhor em relação a nós são de paz e salvação. Podemos rezar como o Salmista: “Mostrai-me, ó Senhor, vossos caminhos; sois o Deus da minha salvação! Recordai, Senhor, meu Deus, vossa ternura e a vossa salvação, que são eternas! O Senhor é piedade e retidão, e reconduz ao bom caminho os pecadores!” (Sl 24/25).

Nesse tempo da Quaresma, somos convidados a retomar a consciência de ser este povo santo. A Quaresma é um tempo de combate, pois sem ele não há vitória e não há vida cristã de verdade! A Igreja nos pede neste tempo, que combatamos nossos vícios com mais atenção e empenho. Ela nos recomenda a leitura da Sagrada Escritura e de livros edificantes. Há tanta coisa que se pode fazer como acolher melhor quem bate à nossa porta, aproximar-nos de quem necessita de nossa ajuda, reconciliarmo-nos com aqueles de quem nos afastamos, visitar os doentes. Peçamos a Jesus, com suave insistência, o dom da alegria, essa torrente do coração de Jesus. O importante é que não fiquemos indiferentes a mais essa oportunidade que a misericórdia do Senhor nos concede! Somente depois do combate no deserto é que Jesus nosso Senhor saiu para anunciar a Boa Nova do Reino. Também cada um de nós e a Igreja como um todo, somente poderá testemunhar o Reino que Cristo nos trouxe se tivermos a coragem de enfrentar o deserto interior e combater o combate da fé! Não recebamos em vão a graça de Deus! Peçamos a Ele o dom de experimentarmos a “alegria perfeita”, a mesma que muitos santos experimentaram e assim possamos dizer com o profeta Neemias que “A alegria do Senhor é a nossa fortaleza!” (Ne 8,10). Que Deus, na sua imensa misericórdia, nos conceda uma santa Quaresma! Amém.

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