Homilia para o 3º Domingo da Quaresma – Ano B,
proferida a 7 de março de 2021
por Dom Martinho do Carmo OSB

Êx 20,1-17; Sl 18; 1Cor 1,22-25; Jo 2,13-25

Não é todo dia que vemos Jesus zangado. Mas, para compreender esta sua atitude, devemos antes nos lembrar do significado e do papel do templo na Primeira Aliança. Desde a sua construção, e após a sua reconstrução depois do exílio, o templo é o lugar onde Deus habita com o seu povo, o lugar onde foi colocada a Arca da Aliança, onde se presta culto a Deus. Envolver-se com comércio sob o pretexto de adoração é literalmente profanar o lugar santo, zombar de seu caráter sagrado, em suma, é cometer sacrilégio. Este templo, havia sido explicitamente aprovado por Deus, e é por isso que a palavra do salmo 69 se aplica a Jesus: “O zelo por tua casa me consumirá”, palavra que ilumina toda a passagem.

Nós também, nesta Quaresma, subimos para a Páscoa com Jesus, e a sua palavra dirige-se também a nós: que zelo mostramos pela casa de Deus? Somos consumidos, verdadeiramente preocupados pelo estado desta comunidade, que também é chamada por N.P.S. Bento de casa de Deus? Não se trata mais agora do templo de pedra de Jerusalém. Na Nova Aliança selada no sangue de Cristo, onde Deus mora, onde o encontramos? Existem pelo menos três respostas para esta pergunta.

A casa de Deus é, antes de tudo, a Igreja, Corpo de Cristo e templo do Espírito Santo, o Espírito que Jesus nos enviou do Pai. Mas, como vai nosso zelo pela Igreja? Estamos ardorosamente abrasados por sua beleza? Ou é a crítica que prevalece? Quero o bem de Cristo, mas não da Igreja ou pelo menos não naquele aspecto que me incomoda. E agimos assim como se fosse possível separar a Igreja da Cabeça que é Cristo. Ora, recusar algo da Igreja é recusar algo de Cristo. Mas, infelizmente, muitas vezes é a indiferença que predomina. Todavia, são nos membros do Corpo de Cristo que encontro a Igreja. Então, estar cheio de zelo pela Igreja é consumir-se por todos aqueles que a compõem; é ser um daqueles de quem Jesus nos diz, em Mt 25: “eu estava com fome e me destes de comer; estava nu e me vestistes; fui enfermo e visitastes-me”. É viver, de uma forma ou de outra, o zelo de N.P.S. Bento, que se utilizou desta palavra de Jesus para dizer que “antes de tudo e acima de tudo”temos o dever de servir os irmãos enfermos “como verdadeiramente ao Cristo” (RB 36,1) – ora, todos nós somos doentes de pecado!

Mas há também um segundo lugar onde Cristo habita que, na verdade, é o coração do anterior: é a Eucaristia. Ela é o meio surpreendente e improvável escolhido por Cristo para permanecer no meio de nós. Ela é o corpo e o sangue de Cristo, escondido sob as derrisórias espécies. Mas, somos zelosos pela Eucaristia? As primeiras comunidades cristãs deram extrema atenção à Eucaristia. A “Lei do Arcano[1]” a protegia, ela era realmente o coração de toda comunidade cristã. Em comparação, não seríamos nós cristãos já saciados que não prestam mais muita atenção ao Deus que reside no meio de nós? As palavras de Jesus relatadas por São João nos dão a chave de leitura do evangelho de hoje. Jesus proclamou: “Destruí este Templo, e em três dias eu o levantarei”, e João explicou: ele “estava falando do Templo do seu corpo”. Os cristãos que somos temos a vocação de sermos tão zelosos por este templo eucarístico como foi Jesus pelo templo de Jerusalém. Saibamos, portanto, aproveitar o tempo em preparação para recebê-lo dignamente, ou contemplando-o presente no tabernáculo ou exposto. (Aliás, João Paulo II fez disso o programa da Igreja neste milênio: contemplar o rosto de Cristo presente em sua Igreja e, antes de tudo, na Eucaristia).

Morada eclesial, morada sacramental, mas há ainda uma terceira morada, que não relativiza as duas primeiras. O templo de Deus é ainda cada um de nós, na alma e no corpo. As palavras de São Paulo são inequívocas: “Ignorais que o vosso corpo é santuário do Espírito Santo, que mora em vós e que vos é dado por Deus? (…) Então, glorificai a Deus com o vosso corpo” (1Cor 6,19-20). Devemos ousar dizer, caros irmãos, que somos o templo do Espírito Santo, mesmo sabendo que trazemos esse tesouro em cerâmica sem valor. Sim, é principalmente esta morada que tem necessidade de ser purificada, liberta de todo o comércio que há nela: inveja, cobiça, idolatria… Sabemos olhar para nós mesmos e reconhecermo-nos como habitação de Deus? Sabemos ver os outros revestidos da mesma dignidade? O que o meu corpo representa para mim e para os outros? Nosso corpo é a casa de Deus e, por isso que devemos protegê-lo continuamente de qualquer tipo de profanação. Enfim, a Igreja, a Eucaristia, o nosso próprio corpo: eis as três moradas de Deus em sua nova Aliança com a humanidade. Que esta e todas as eucaristias que celebrarmos nos forneçam aquele zelo tão próprio na vida monástica, “para que ninguém se perturbe nem se entristeça na casa de Deus” (RB 31,19), e para que haja sabedoria na administração e no serviço (53,22; 64,5) do santo templo de Deus, que é esta comunidade e, igualmente, a existência pessoal de cada um de nós.

Amém!


Após a comunhão

Caros irmãos e irmãs, desde o início da quarentena na Itália, quando a missa no Vaticano era celebrada sem a participação dos fiéis, o Papa Francisco sempre convidava àqueles que não podiam comungar sacramentalmente a fazer a Comunhão espiritual com a seguinte oração:

Meu Jesus, eu creio que estais presente no Santíssimo Sacramento do Altar. Amo-vos sobre todas as coisas, e minha alma suspira por Vós. Mas, como não posso receber-Vos agora no Santíssimo Sacramento, vinde, ao menos espiritualmente, a meu coração. Abraço-me convosco como se já estivésseis comigo: uno-me Convosco inteiramente. Ah! não permitais que torne a separar-me de Vós!

Papa Francisco

[1] Lei ou Disciplina do Arcano, é o termo teológico para expressar o costume que prevaleceu na Igreja Primitiva, na qual o conhecimento dos mistérios da religião cristã era, por medida de prudência, cuidadosamente mantido oculto aos gentios, aos não-iniciados e até mesmo aos que se submetiam à instrução na fé, para evitar que aprendessem algo que pudessem fazer mau uso, o costume pendurou-se até o séc. VI.

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