2º Domingo da Quaresma (C)
Gn 15,5-12.17-18; Sl 26; Fl 3,17-4,1; Lc 9,28b-36
Dom Martinho do Carmo, OSB
13 de fevereiro de 2022
Caros irmãos e irmãs.
Na primeira leitura deste domingo, temos a menção da fé de Abraão e da Aliança (Gn 15,5…18). Estamos diante de uma “teofania”, onde Deus faz uma espécie de juramento ligado a um rito de sacrifício. A primeira parte do relato suscita a Abraão uma atitude de fé nas promessas do Senhor e, imediatamente após o sacrifício, e em recompensa à fé de Abraão, o Senhor conclui sua Aliança. A cena é muito rápida, e narrada de forma muito simples: promessa do Senhor e fé de Abraão. Em conclusão, temos a realização imediata da promessa: a Aliança com Deus.
A confiança exprimida no salmo responsorial (26) se encaixa bem com essa teofania:
“O Senhor é minha luz e salvação!
Salmo 26
(…) Senhor, meu coração fala convosco confiante, é vossa face que eu procuro!
(…) Sei que a bondade do Senhor eu hei de ver….
espera no Senhor e tem coragem, espera no Senhor!”.
Portanto, é neste contexto de obediência e de confiança absoluta, que é preciso ler o evangelho da Transfiguração escrito por São Lucas. Porque em Lucas, a narração da Transfiguração tem um porte pascal. Cristo transfigurado em glória conversa com Moisés e Elias, também revestidos de glória: “conversavam sobre a morte, que Jesus iria sofrer em Jerusalém” (Lc 9,30). Falavam da Paixão de Cristo, de seu Êxodo, de sua Páscoa.
Cristo entrou no mundo, mas vai sair deste mundo, para entrar na glória. Portanto, é para a esperança futura que a Transfiguração do Senhor nos orienta. Tudo isso tem uma profunda ligação com Moisés atravessando o Mar Vermelho para salvar seu povo e conduzi-lo a um reino guiado por Deus Pai. Jesus é a verdadeira realização disto que Moisés iniciou. Assim, Jesus Cristo é o novo Moisés do novo Êxodo. Aliás, Jesus é também o novo Elias “que veio trazer fogo à terra” (Lc 12,49). A voz do Pai declara, na presença do Espírito Santo, o que representa a pessoa de Jesus: o Filho Amado, o Filho Escolhido.
Mas o mais importante aqui para nós, é entender o que leva Jesus a ser transfigurado em glória: é a sua obediência confiante e absoluta à vontade do Pai, para que se cumpra essa “passagem” da morte à vida, na qual ele vai inserir também todo o seu povo, conduzindo-o no caminho da salvação para a glória.
São Paulo, na segunda leitura explica como todos nós batizados participaremos nesta glória da Transfiguração. Ele oferece a si mesmo como modelo de fidelidade ao evangelho, e convida insistentemente, a todos nós cristãos, a não nos deixarmos levar pelos atrativos das coisas terrenas, porque somos, desde já, cidadãos do céu; e, portanto, não há razão para buscarmos nossa glória no que é passageiro, e nem para fazermos das coisas deste mundo o objetivo final de nossas vidas.
Olhando então a glória que Jesus manifestou, e que também nos é prometida, e olhando igualmente a exortação de São Paulo, podemos aceitar que, hoje, somos colocados frente a frente diante de uma escolha da qual não podemos fugir. Devemos escolher: as glórias deste mundo, ou a glória do céu; a deformação deste mundo, ou a transfiguração de nossa mente e coração.
Sempre teremos que fazer esta escolha! Porque somos, sim, cidadãos do céu, mas, ainda vivemos neste corpo de escravidão. No entanto, nossa humanidade foi assumida por Jesus Cristo, que se humilhou até a morte (Fl 2,6-11). Assim, o dia da vinda do Senhor será também, para todo aquele que é fiel, o momento de transfiguração na glória com o Cristo glorioso.
Esta é a lição deste segundo domingo da Quaresma para nos conduzir à conversão: mudar de vida, escolher e seguir o Apóstolo Paulo, que seguiu o caminho de Cristo até a morte; e seguir definitivamente o Cristo em seu caminho pascal para ressuscitar com ele na transfiguração e na glória.
Um dia, com Jesus, nós participaremos da glória divina e da luz eterna. Aqui na terra, vemos num espelho, confusamente, mas, um dia então, veremos face a face (1 Cor 13,12). O próprio Senhor nos exorta: enquanto tendes a luz, crede na luz (crede no evangelho), para que vos torneis filhos da luz! (Jo 12,36). Este é o sentido verdadeiro do chamado feito a todos nós para subir a montanha do Senhor (Sl 84).
Se nós realmente quisermos, toda a nossa vida não será mais uma incessante descida para a escuridão do túmulo, mas sim uma subida para a luz deste dia que não terá fim, onde o Senhor transfigurará o nosso corpo humilhado e o tornará semelhante ao seu corpo glorioso (Fl 3,21).
Irmãos e irmãs, somos cidadãos do céu! Não nos comportemos como inimigos da cruz de Cristo! Convertamos nossa maneira de ver o mundo, nossa maneira de ver nossa própria vida:
- Que cada um de nós aqui possa reconhecer: Eu não sou um homem da terra, minha pátria está no céu.
- Que os pais não digam apenas “meus filhos”, mas saibam antes que eles são filhos de Deus.
- Que os casados não se tratem simplesmente por “meu marido” e “minha esposa”; mas assumam que cada um é um outro Cristo na vida de seu cônjuge.
- Estes irmãos não são “minha comunidade”; nós formamos juntos o Corpo de Cristo.
Tudo o que temos aqui na terra é apenas um trampolim para o céu. O amor que vivenciamos na terra é apenas uma antecipação das núpcias eternas. A morte de nossos corpos é uma porta aberta para a verdadeira Vida.
Caros irmãos e irmãs, é para contemplarmos juntos a Beleza da face d’Aquele nos salvou com sua Cruz que nós nos reunimos, aqui no Mosteiro da Transfiguração, neste dia do Senhor.
Que Ele mesmo cumule de luz e de esperança nossa caminhada para a Páscoa!
Amém!