HOMILIA PARA A NOITE DE NATAL (Lc 2,1-14)

D. Paulo DOMICIANO, OSB

O profeta Isaias nos introduz na beleza do mistério dessa noite nos anunciando que “O povo, que andava na escuridão, viu uma grande luz; para os que habitavam nas sombras da morte, uma luz resplandeceu” (Is 9,1).

Esta luz anunciada pelo profeta brilhou em Belém, na Judéia, onde, por desígnio de Deus, completaram-se os dias para que Maria desse “à luz o seu filho primogênito”.

O que a luz de Belém nos revela? Ela nos revela que o acontecimento mais sublime e desejado da história –  a chegada do Salvador, Deus feito homem – acontece na extrema simplicidade da vida humana. É uma simplicidade que nos constrange, que confunde o nosso orgulho e nossa preocupação com tantas coisas inúteis e passageiras, que atravessam a nossa vida.

Durante séculos Deus prometeu manifestar a sua glória aos homens. Durante o Advento a liturgia retoma e canta as promessas divinas, que nos anunciam a chegada de uma novidade absoluta e grandiosa. Para nossa surpresa, a novidade de Deus é um recém-nascido de uma virgem, num casal desconhecido, em um lugar insignificante, onde “não havia lugar na hospedaria” (Lc 2,7). Esta novidade é uma mudança absoluta em nossa escala de valores.

Havia tantos meios para o Filho de Deus nascer, como indicam as profecias, mas Ele escolheu se servir do mais simples e ordinário, não do mais cômodo nem do mais brilhante, nem daquilo que poderia parecer mais razoável aos olhos humanos. Ele se serve da simplicidade. Assim, a luz de Belém pode nos ensinar a perceber que Deus se dá a conhecer e encontrar nas coisas pequenas e humildes, a nós que somos em constante expectativa por espetáculos, sedentos de comodidades e vaidades.

O Evangelho desta noite ajuda a nos darmos conta de que a manifestação da novidade de Deus é percebida apenas por quem se faz pequeno. Juntamente com a criação que circunda o evento desta noite, são os pobres pastores, homens sem nenhum protagonismo na história, na política ou na economia, e, inclusive, na vida religiosa de seu tempo, os destinatários do grande anúncio e da manifestação da “glória do Senhor” naquele nascimento. É este o misterioso anúncio que o anjo lhes faz: “Encontrareis um recém-nascido envolvido em faixas e deitado numa manjedoura” (Lc 2,12). O anjo não anuncia nada espetacular, nada maravilhoso que pudesse atiçar a curiosidade daqueles pastores; lhes anuncia o simples e escondido nascimento de um menino pobre. Em sua simplicidade de coração eles ousaram acreditar e foram capazes de compreender que aquele não era um nascimento qualquer, ainda que fosse semelhante a muitos outros nascimentos de filhos de pastores nômades e pobres. Por isso eles “glorificaram e louvaram a Deus por tudo o que ouviram e viram” (Lc 2,20) e comunicaram a todos este anúncio de grande alegria.

Deus escolhe a via da simplicidade para poder alcançar a todos, desde os mais pequeninos, os mais esquecidos, os mais distantes nesse mundo de sombras. Deus vem ao encontro de nossos limites, de nossas fragilidades e sua Luz penetra todas as frestas de nossa existência estilhaçada pelo pecado e pela morte. É através das rachaduras de nosso coração de pedra, das rachaduras de nosso solo ressequido que a Luz de Belém penetra e nos transforma, renovando toda nossa existência.

Sejamos nós os pequenos de Belém que acolhem a Luz do amor misericordioso de nosso Deus, que veio habitar a nossa carne, a nossa terra, a nossa vida. Peçamos ao Espírito Santo que faça simples o nosso coração, como o dos pastores, como o de Maria e de José, para podermos perceber a manifestação da novidade de Deus em nosso meio.

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HOMILIA DO DIA DE NATAL (Jo 1,1-18)

D. Paulo DOMICIANO, OSB

Na liturgia da noite de Natal nós contemplamos e adoramos o recém-nascido, deitado na manjedoura, ignorado por todos em sua condição de extrema “normalidade”. Agora, na liturgia do dia, São João nos eleva, com toda solenidade, própria do estilo deste prólogo de seu Evangelho, a uma altura vertiginosa, afirmando que este menino, incapaz de pronunciar uma palavra sequer, é o próprio Verbo, a Palavra eterna de Deus.

Do mesmo modo, na segunda leitura, a carta aos Hebreus afirma com toda força: “Muitas vezes e de muitos modos, falou Deus outrora aos nossos pais pelos profetas; nestes dias, que são os últimos, ele nos falou por meio do Filho a quem ele constituiu herdeiro de todas as coisas e pelo qual também ele criou o universo” (Hb 1,1-2). Eis que a Palavra criadora, o Verbo de Deus que criou do nada todas as coisas, o Logos de Deus que ordenou o caos primordial na manhã da criação, veio até nós. Não apenas veio até nós, como se fez um de nós, nascendo de uma mulher, a Virgem Maria.

Ao lado do termo “PALAVRA/VERBO”, João nos oferece ainda outros dois para nos introduzir neste mistério: LUZ e VIDA. “Nela (na Palavra) estava a Vida, e a Vida era a Luz dos homens” (Jo 1,4). Temos, assim, uma bela trindade: a Vida, a Palavra e a Luz! As três têm um ponto em comum: elas não existem senão para se doar a um outro. E este é o coração do mistério da Encarnação. A natividade de Jesus Cristo nos faz descobrir o mistério do Amor de Deus: um Deus que se doa, que se oferece inesgotavelmente, sem reservas.

A luz, se manifestando, não pode se impedir de iluminar, de se comunicar. A palavra também é sempre para um outro, é fundamentalmente comunicação. A vida, finalmente, desde a sua forma mais simples e elementar – vegetal ou animal – busca sempre se multiplicar gerando uma outra vida. Deste modo, Deus é Luz, Deus é Palavra, Deus é Vida. Ele se doa, incansavelmente, em si mesmo, como Deus-Trindade, e além dele mesmo, como Criador. Ele se dá sem reservas, pois no amor não há limites.

A Palavra eterna, por que tudo foi feito, que é a vida, a luz, veio habitar no meio de nós, ser um de nós, assumindo todos os nossos limites e misérias, menos o pecado. Este sinal dado aos pastores e a todos os que aceitam acolhê-lo, nos revela que o Poder de Deus só pode ser totalmente revelado aos olhos humanos na fraqueza, na precariedade, no limite. Sim, Deus quis habitar nossa pobreza, da qual o presépio é símbolo. Ele escolheu vir habitar e encher de vida e de luz o nosso deserto e as nossas trevas.

Mas isso só é possível se nos abrimos para acolhê-lo. Como aconteceu com Maria, com José, com os pastores, a Palavra bate à nossa porta, espera do lado de fora de nossas vidas até que decidamos dar-lhe passagem, pois Deus não invade nem se apossa daquilo que não lhe oferecemos. “Mas, a todos que a receberam, deu-lhes capacidade de se tornarem filhos de Deus, isto é, aos que acreditam em seu nome”, nos declara São João. Em outras palavras, aqueles que o acolhem, progressivamente são transformados na imagem do próprio Filho. Cada vez que celebramos os Mistérios, os Sacramentos, que ouvimos a Palavra proclamada, que participamos da Eucaristia, somos pouco a pouco transformados Nele. O Menino-Deus é colocado numa manjedoura para ser nosso alimento, e comendo desse Pão do céu, nos transformamos Nele: filhos no Filho!

Que a Virgem Maria, que acolheu o Verbo em seu seio e o carregou em seus braços nos ensine a acolher este Dom da Vida que hoje se oferece mais uma vez a cada um de nós. Este é o sinal e a promessa de um Feliz Natal.

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