Homilia para o 25º Domingo do Tempo Comum – Ano B,
proferida a 19 de setembro de 2021
por Dom Martinho do Carmo OSB
Sb 2,12.17-20; Sl 53; Tg 3,16-4,3; Mc 9,30-37
Maior, menor, primeiro, último… Irmãos e irmãs, estas são algumas escalas de valores que fazem parte do nosso cotidiano, mas que Jesus veio, digamos, “fazer em pedaços”. Com Jesus tudo fica de cabeça para baixo. “
Se alguém quiser ser o primeiro, que seja o último” (Mc 9,35). “
Aquele que entre vós todos for o menor, esse mesmo é grande” (Lc 9,48)
... Talvez fiquemos perplexos, porque esta proposta parece estar muito longe da realidade do mundo em que vivemos. Mais uma vez, Jesus acertou em cheio, e nos chama a atenção lá onde nós não o esperávamos, para lá também poder colocar a luz da verdade. Jesus quer que o ser humano cresça, quer que ultrapassemos as escalas nas quais nos fechamos. Ele nos quer livres de todas as falsas aparências.
E é exatamente esta a
primeira constatação a se fazer: vivemos numa ilusão sobre o que somos. Pois nós cremos existir comparando-nos aos outros. Se sou reconhecido ou elogiado no papel que me é designado, sinto-me seguro por parecer ser uma pessoa de bem. Ou, também pode acontecer, se assumo um ar contrito, a tal ponto que minha modéstia e meu recolhimento são reconhecidos aos olhos de todos, então penso seguramente estar no caminho da santidade!
Irmãos e irmãs, coloquemos alguns questionamentos sobre esta forma de pensar: Quando se é exaltado, se o é com relação a alguma coisa; mas quem determina o quadro de referência? E quando alguém se abaixa, também é em relação a uma “altura” fixada de antemão; mas como conhecemos tal padrão? Será que Deus se esqueceu de nos transmitir uma base de dados para termos referência do somos, ou do quanto valemos? … Não, Deus não esqueceu de nada! A única coisa que temos de saber, é que nossa existência não depende de comparações com os outros. Crer-se superior ou inferior, ter mais ou menos que outro… tudo isso não muda nada do que somos. “
Nossa vida está escondida com Cristo em Deus”, diz São Paulo (Col 3,3). Ela não depende de uma escala fictícia de valores. É em Deus que somos o que somos: filhos de Deus Pai, eis nossa verdadeira identidade.
A
segunda constatação deriva da primeira. Cristo é o único que conheceu realmente um abaixamento e uma elevação. Ele, que é Deus, fez-se homem. Eis um verdadeiro abaixamento. São Paulo diz que “
sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus, mas esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens” (Fl 2,6-7). Passando da glória do céu à condição humana, Jesus pode verdadeiramente dizer que é humilde. E nós, irmãos e irmãs, será que podemos dizer o mesmo? Só o que fazemos é nos abaixar com relação a uma altura imaginária.
E se Jesus viveu um verdadeiro abaixamento, podemos dizer o mesmo de sua exaltação. Glorificado na cruz, elevado na glória do céu, assentado à direita de Deus Pai… ninguém é maior que Ele. Mas, e nós, irmãos e irmãs, o que podemos dizer sobre nossa suposta “grandeza”? Só o que fazemos é nos elevar por meio de uma escada efêmera que repousa sobre a areia movediça. Por mais que cresçamos em grau, em qualificação, em estima, permanece o fato de que somos o que somos: homens e mulheres pecadores.
E quais conclusões devemos tirar destas observações? Bom, quando Jesus nos fala, a nós que somos homens e mulheres da terra, a respeito de maior, menor, último ou primeiro, ele nos fala de uma escala de grandeza que está acima daquele registro humano. Em Deus, o padrão de grandeza não é uma medida. Nós calculamos a grandeza em metros, em minutos, em litros, ou… em reais. Mas a verdadeira grandeza, aquela da qual Jesus fala, não se pode medir. Pois essa grandeza é o amor. E como diz São Bernardo, “
a medida do amor, é amar sem medidas”. Deus é assim. Deus é amor. “
Sua grandeza é insondável” (Sl 145,3). Nem aumento, nem diminuição. Nem progresso, nem retrocesso. Nenhum cálculo, nenhuma economia, nenhuma repartição de amor. Deus “é” amor (1Jo 4,8), e pronto! Deus é sempre ele mesmo. Ele é sempre “o maior” em qualquer situação. Quer Jesus seja elevado à direita do Pai, quer esteja pregado na cruz, ele é e permanece sempre “
o Senhor, para glória de Deus Pai” (Fl 2,11). Nada altera o que ele é. Ele é tão poderoso que pode renunciar seu poder sem se tornar fraco. Ele é tão grande que pode fazer-se pequeno sem perder sua supremacia. Afinal, será que existe verdadeiramente maior e menor naquele que é infinito?
E nós irmãos e irmãs, o que somos? Somos filhos de Deus Pai, tal como esta criança que Jesus abraça diante dos apóstolos. Nossa existência vem de Deus. Ele é aquele que nos dá a vida, a paz, a alegria. Nós estamos inteiramente em Deus e, contudo, ainda temos necessidade do outro, do irmão, mas não para “
dizer” o que somos, e sim para “
desenvolver” o que realmente somos. Não é uma relação de comparação que nos fará conviver bem, pois, como vimos, ela é ilusória e falsa. Não! A convivência que Jesus deseja, é uma relação de amor através do dom de si e do serviço. “
Se alguém quer ser o primeiro, será o último e servo de todos” (Mc 9,35). Quanto mais nós amamos, mais nós nos doamos e mais nos tornamos o que realmente somos. Podemos ter a impressão de perda, ou de diminuição, pois servir um outro, é colocar-se abaixo dele. Entretanto, nós crescemos com aquela grandeza que é própria de Deus. “
Minha vida – diz Jesus –
ninguém a tira de mim; pelo contrário, eu a dou espontaneamente” (Jo 10,18). Sim, verdadeiramente, no amor, não há nem alto, nem baixo, nem príncipe, nem escravo. Pois o amor se eleva acima de tudo. Nada é pequeno ou desprezível quando se encontra com o amor. Amar, é estar tão livre de si, de forma que o outro seja sempre o preferido. É nesta liberdade que atingimos a plenitude do que somos: quando o infinito do amor invade a finitude do meu coração. Quando eu amar a tal ponto, nessa hora, aí sim eu realmente poderei dizer: “eu existo!”.
Amém!
Após a comunhão
Caros irmãos e irmãs, desde o início da quarentena na Itália, quando a missa no Vaticano era celebrada sem a participação dos fiéis, o Papa Francisco sempre convidava àqueles que não podiam comungar sacramentalmente a fazer a
Comunhão espiritual com a seguinte oração:
Meu Jesus, eu creio que estais presente no Santíssimo Sacramento do Altar. Amo-vos sobre todas as coisas, e minha alma suspira por Vós. Mas, como não posso receber-Vos agora no Santíssimo Sacramento, vinde, ao menos espiritualmente, a meu coração. Abraço-me convosco como se já estivésseis comigo: uno-me Convosco inteiramente. Ah! não permitais que torne a separar-me de Vós!
Papa Francisco