D. Agostinho FAGUNDES, OSB
Meus caros irmãos,
neste segundo domingo do Tempo do Advento a Igreja nos convida a voltar o nosso olhar para a figura desta mulher que
o próprio Criador preparou para acolher o Verbo da Vida, Jesus Cristo, que se faz carne no seio da Virgem. E o nome
dela era Maria, aquela que foi concebida sem a mancha do pecado original.
Hoje a liturgia coloca diante de nossos olhos, ou melhor, ressoa dentro do nosso coração dois textos da Sagrada Escritura
– Gênesis 3,9-15.20 e Lc 1,26-38 – que podemos ler e ouvir um paralelamente ao outro, fazendo comparações,
aproximações e distanciamentos. E à medida que o fazemos, vamos tomando consciência da dignidade de nosso chamado,
do significado da vida cristã e do porquê estamos hoje unidos celebrando esta liturgia dominical.
No relato de Gênesis, Deus procura por Adão, que já não se encontrava diante de seu olhar. Busca por mim e por
ti, que temos vergonha de ir à sua face por causa de nossa desobediência, de nosso pecado, de continuarmos insistindo
em viver uma vida sem Ele e nos sentirmos continuamente cansados, frustrados e insatisfeitos. No Evangelho de Lucas, a
procura já findou. Ele encontrou aquela que não se esconderia de Sua face. E assim envia o Anjo Gabriel à cidade de
Nazaré, ao encontro de uma virgem, e seu nome era Maria.
Ao ouvir a voz de Deus, Adão se escondera por medo. Maria também fica perturbada pela mensagem do Anjo.
Ele traz um anúncio de alegria, afirmando que ela era plena da força amorosa de Deus, e que Ele está com ela. Como não
perturbar-se? É algo bastante curioso do mistério da vida em Deus: aqueles que vivem n’Ele, que o buscam pelo desejo do
coração, que procuram fazer sua vontade, trazem sempre dentro de si aquela incerteza em relação à própria vida, e se sua
vida realmente agrada ao Senhor, diante de Sua imensidão como nosso Criador e nossa pequenez de criatura. Como dizia
o Abade Agatão: «Até agora fiz o que pude para observar os mandamentos de Deus; sou homem, porém; como hei de
saber se meu esforço agradou a Deus?» Sim, Maria havia agradado a Deus.
O relato de Gênesis continua. Deus pergunta a Adão: quem te disse que estavas nu? A quem ouviste? Inclinaste o
ouvido do teu coração a outra Palavra que não a minha? E conclui: não observaste o limite que estabeleci, comeste do
fruto que eu não havia lhe concedido, te apropriaste do que não era para ti. Aquele fruto agora está dentro do primeiro
homem, o fruto da transgressão está nas entranhas de Adão, que afirmou a si mesmo. Com sua atitude diz ao Criador que
ele mesmo pode escolher a partir de si, e que Deus apenas lhe tolhe. Adão sequer suporta ser confrontado. E logo transfere
a responsabilidade para a mulher, que por sua vez a translada para a serpente.
E no relato de Lucas temos Maria diante do Anjo, recolhendo cada palavra que vem de Deus pela boca de seu
enviado. Das entranhas da virgem virá um novo fruto: o fruto da Vida. E o próprio Deus lhe dará o trono de Davi,
estabelecendo um reinado eterno. Maria compreende a mensagem. Já sabe que o Senhor está lhe entregando um
precisíssimo Dom, e não tem medo de perguntar como tudo se realizaria. O Anjo diz que será obra do Espírito. Por um
desígnio de Deus, o Espírito geraria nela o Filho do Altíssimo. Sua parenta Isabel era um sinal de que o Deus de Israel
continuava sua obra de salvação em favor de seu povo. E agora havia chegado um momento único: céus e terra aguardam
em silêncio. E aquela jovem, cujo nome era Maria, simplesmente diz ao Anjo: “que se faça em minha vida o querer de
Deus”.
Ela acolhe o desígnio de Deus com plena confiança. Se abre para viver algo completamente novo e inesperado.
Seu futuro imediato parece estar comprometido. O que talvez tivesse planejado para sua vida escorrera de suas mãos. A
única coisa que agora importava era esta criança que lhe havia sido anunciada. Sua plena adesão a Deus já estava feita.
Agora era preciso seguir a vida e confiar que tudo o que tudo o que viria depois estaria impregnado da força e do poder
salvador do Deus Vivo.
Ora, se no dizer no apóstolo Paulo – tal como ouvimos na segunda leitura de hoje –, Deus, na pessoa de Seu Filho
Jesus Cristo, “[…] nos escolheu, antes da fundação do mundo, para que sejamos santos e irrepreensíveis sob o seu olhar,
no amor”, o que podemos dizer de Maria?
Uma parte da Oração de Coleta deste domingo explicita aquilo que professamos: “Ó Deus, pela Imaculada
conceição da Virgem Maria, preparastes para o vosso Filho uma digna habitação e a preservastes de toda mancha de pecado
em previsão da morte salvadora de Cristo”. Hoje, celebrando a Páscoa semanal, a vitória de Cristo sobre o pecado e morte,
também professamos que a Virgem Maria foi preservada de toda mácula do pecado original em vista da Encarnação do
Verbo. Assim, Deus mesmo a preservou plenamente pura, íntegra, para acolher em seu seio aquele que é “Santo, Santo,
Santo”. Ela foi santificada pelo próprio Deus para ser como que um tabernáculo para Seu Filho Jesus Cristo, para que ela
pudesse portar Aquele que “[…] os céus e os céus dos céus não […] podem conter” (I Reis 8,27).
Que a figura desta “serva do Senhor” esteja continuamente diante de nossos olhos para nos impulsionar em nosso
peregrinar em direção a Deus. E ao nos aproximarmos do banquete da Vida, que é a Eucaristia, recordemos estas seguintes
palavras de São João Damasceno:
“Pois assim como outrora Deus fez tudo o que fez pela operação do Espírito Santo, do mesmo modo agora a
operação do Espírito realiza aquilo que ultrapassa a natureza e não pode ser captado senão pela fé. ‘Como isso poderá
acontecer?’, disse a santa virgem, ‘Se eu não conheço homem algum?’ E o arcanjo Gabriel lhe disse: ‘O Espírito Santo
descerá sobre ti e o poder do Altíssimo a cobrirá com sua sombra’. E agora vem você perguntar: como pode o pão se tornar
o corpo de Cristo, e o vinho e a água, o sangue de Cristo? E eu lhe respondo: o Espírito Santo paira sobre tudo e realiza
essas coisas que ultrapassam a palavra e o pensamento”.