HOMILIA DO III DOMINGO DA QUARESMA – C (Lc 13, 1-9) / 2022

D. Paulo DOMICIANO, OSB

A cada ano, os dois primeiros domingos da Quaresma nos remetem aos episódios da tentação de Jesus no deserto e o da transfiguração sobre o monte, como uma síntese de todo o caminho quaresmal, onde atravessamos o deserto da provação e da conversão para subir o monte, onde seremos iluminados pela visão da face de Deus.

A partir do terceiro domingo, de acordo com cada ciclo de leituras, a liturgia nos convida a prosseguir o nosso itinerário quaresmal sob um enfoque particular, acentuando um aspecto próprio para cada ano. Neste ano C, com o Evangelho de Lucas, é a nossa conversão e a misericórdia de Deus que são os temas dominantes. E isso será mais evidente no próximo domingo, com a “parábola do filho pródigo”.

O Evangelho de hoje começa nos referindo dois acontecimentos trágicos da vida cotidiana do tempo de Jesus: primeiro alguns chegam trazendo notícias a respeito dos galileus que Pilatos tinha matado; a seguir, o próprio Jesus recorda o trágico desmoronamento da torre de Siloé, onde morreram dezoito pessoas. Isso nos mostra que Jesus não era indiferente aos acontecimentos de seu tempo, mas era atento e se interessava por eles. Na mentalidade corrente, as tragédias eram sinais de castigo divino por pecados cometidos. Mas é justamente esta mentalidade de um Deus que castiga, tão presente entre os homens religiosos de todos os tempos, inclusive na própria Igreja, que Jesus quer corrigir. Como rezamos na oração de hoje, Deus é fonte de toda misericórdia e de toda bondade.

Diante desses acontecimentos trágicos, os ouvintes de Jesus talvez pudessem estar tranquilos, pois, afinal, não eram tão maus e não mereciam ser castigados, enquanto aqueles que sofreram, provavelmente, cometeram alguma coisa que provocou o castigo divino. Jesus então os adverte: “Pensais que eram mais culpados do que todos os outros (…)?” Ele mostra que a relação entre pecado e castigo não é matemática, que não podemos medir a culpa de uma pessoa segundo a gravidade da desgraça que a tocou. O Evangelho nos mostra que os sofrimentos que podem nos acometer, que atingem o mundo, como as guerras, as catástrofes naturais ou as doenças, não são castigos pelos nossos crimes. Devemos compreender esses eventos, que cercam nossa existência, como uma oportunidade ou um chamado à conversão, pois eles nos recordam que a nossa vida neste mundo é breve e pode acabar a qualquer momento. Uma desgraça nunca é um sinal de castigo divino para os que são atingidos, mas pode ser um apelo à conversão para os sobreviventes. Como diz Jesus, “se não vos converterdes, ireis morrer todos do mesmo modo”.

Através da parábola da figueira, Jesus dá as indicações práticas sobre o tempo da conversão. Antes de tudo, a parábola nos fala sobre a paciência de Deus: apesar da esterilidade crônica da figueira, diante da súplica do vinhateiro, o dono da vinha concede mais um tempo para que ela produza frutos. Contudo, o tempo para que a planta dê frutos não é adiado indefinidamente: a figueira só tem mais um ano, somente mais uma estação, mais uma última chance para produzir os frutos esperados. Isso pode nos parecer severo, mas não podemos esquecer isso que a Igreja proclama a cada dia, na primeira celebração da Liturgia das Horas: “Hoje, não fecheis o vosso coração (…)” (Sl 94). É este “hoje” que conta, amanhã pode ser muito tarde. É neste “hoje” que eu devo me converter e é neste “hoje” que Deus deseja operar a minha salvação.

Para tentar salvar a figueira não é suficiente um tratamento superficial, por isso o trabalho tem que ser feito em suas raízes. O vinhateiro se propõe a “cavar em volta dela e colocar adubo”. De fato, a conversão é um trabalho que precisa ser realizado nas profundezas de nosso ser, cavando essa terra dura do nosso coração. Inevitavelmente, quando cavamos ao redor de uma árvore, algumas de suas raízes também são cortadas. Por isso, permitir que o Senhor cave e revolva a nossa terra exige de nós o despojamento, para que as nossas raízes más sejam arrancadas.

A oração da liturgia de hoje nos indica que o adubo, que o Senhor deseja aplicar em nossas raízes enfraquecidas, é “o jejum, a esmola e a oração”, que é “remédio contra o pecado”. Esses remédios que desde o início da Quaresma a Igreja nos indica também como armas para combater contra o mal (cf. Oração da coleta da Quarta-feira de cinzas). A primeira leitura ilumina o sentido da liturgia de hoje. Ela nos descreve o milagre da sarça que não se consome e o chamado de Moisés para anunciar a libertação ao seu povo em nome do Senhor, “Eu Sou”. Diante das advertências que nos são dirigidas pelo Evangelho, somos convidados a nunca colocar em questão a fidelidade de Deus, que caminha conosco, que vê nossa aflição, ouve nosso clamor e conhece nossos sofrimentos. Assim, seria um erro pensar que a paciência de Deus com os homens que não produzem os frutos esperados possa se esgotar. Os atributos de Deus não são limitados ou finitos; sua misericórdia e seu amor por nós, como a sarça, que arde sem se consumir, não se esgotam. Mas o homem sim, é finito em seu tempo e só pode dar frutos durante a sua existência limitada. A advertência que nos é dirigida hoje não indica que a paciência e a misericórdia de Deus se esgotam, mas que nossas próprias possibilidades, que são concretamente limitadas, têm um fim. Por isso, ouvindo a voz do Senhor, que renova o seu convite à conversão, como reza o salmista, não fechemos hoje o nosso coração. Que pela confissão da nossa fraqueza e a consciência de nossas faltas sejamos confortados (curados) pela misericórdia de nosso Deus (cf. Oração da coleta)

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