“Bem-Aventuranças” (Mt 5,1-12a)
D. Paulo DOMICIANO, OSB
O Evangelho das “Bem-aventuranças” se destaca na liturgia de hoje. É a primeira parte do “sermão da montanha” de Jesus, que ouviremos nos próximos domingos.
Como sabemos, o evangelista Mateus pretende apresentar Jesus como o novo Moisés em seu Evangelho. De fato, neste episódio podemos perceber claramente esta semelhança entre os dois: como Moisés, Jesus sobe o monte, o novo Sinai, agora, não para receber a Lei vinda de Deus, mas para comunicar, Ele mesmo, a nova Lei. Tendo Moisés ensinado o pequeno povo de Israel aos pés da montanha, agora Jesus ensina o povo novo, a toda a nação humana, em cima do monte. Contudo, sua Palavra só pode ser acolhida, compreendida e vivida pelos pequenos, pelos pobres, pelos humildes; são eles os eleitos. A missão de Jesus está direcionada a esses que estão no último lugar. Deste modo, Ele inaugura a era da salvação, concedendo uma prioridade a todos os que dela têm necessidade mais urgente.
Contudo, temos que nos por a questão se neste nosso mundo de hoje ainda há sentido a proclamação do “Sermão da montanha”. Que sentido há proclamar esta Palavra numa sociedade consumista, que acredita que a felicidade e a bem-aventurança ou ainda, a benção e a sorte estão relacionadas com a posse, o sucesso, o poder e o luxo?
E para os pobres e miseráveis de nosso mundo, qual o sentido de lhes repetir: “Bem-aventurados os pobres… Bem-aventurados os perseguidos…”? não soará como um insulto ou como uma tentativa de abafar a sua ira e a indignação?
A pobreza de que nos fala Jesus não se limita, evidentemente, à escassez de dinheiro, mas compreende todas a misérias físicas, espirituais, morais, psicológicas e culturais do ser humano. Assim, constatamos que o grupo dos “pobres” é, consideravelmente, mais amplo. Mas por que Jesus se dirige especialmente aos pobres? Porque eles estão em condições mais favoráveis para acolher o Reino, são necessitados, não têm com o que contar ou com quem contar e suas mãos estão sempre abertas para receber. No entanto, não basta estar em alguma dessas condições de pobreza para participar do Reino, como se a indigência fosse por si só um passaporte de acesso às bem-aventuranças, pois a pobreza não é um bem em si mesmo. Deus abomina a pobreza e a opressão, mas olha com compaixão para aquele que se reconhece pobre e necessitado da graça.
Sem dúvida, a pobreza pode abrir à disposição interior que toca todo o nosso ser, em qualquer situação, pois o que é materialmente pobre tem mais facilidade de abrir-se a essa disposição de dependência, visto que é carente de tudo. O rico, por sua vez, tem mais poder, mais influência, mais possibilidades em relação aos demais e aqui começa o perigo. Conscientemente ou não, surge a ilusão de autossuficiência, onde se pensa que Deus não é mais necessário ou, pelo menos, não tanto quanto o Evangelho diz.
Sejamos lúcidos: somos todos pobres, somos seres carentes e necessitados de tudo que vem das mãos de Deus. Nosso pecado consiste em nos esquecermos disso e desse esquecimento surgem a opressão, o orgulho, a vaidade. Somente aquele que se reconhece pequeno e pobre pode receber o Reino dos Céus. Quanto aos nossos tesouros, nossas riquezas, nossos talentos e dons, tudo isso o que temos vem de Deus e por isso nada é nosso. Consequentemente, tudo o que temos deve ser partilhado e precisa estar à disposição do crescimento dos que nos cercam.
O Senhor dirige sua Palavra a nós hoje não para colocar sobre nossos ombros um peso ou um obstáculo à nossa frente, mas um caminho de libertação que nos conduz à felicidade, à bem-aventurança. Não sejamos ingênuos em pensar que serão governos ou ideologias deste mundo que nos salvarão, que promoverão um mundo novo e feliz. Não… o que muda o mundo é o Evangelho, a nova Lei das Bem-aventuranças. Para assumir isso precisamos abrir mão de nossa ilusão de felicidade, sustentada pela ganância e o egoísmo. Não é possível ser feliz sozinho e por conta própria; a felicidade se constrói junto com os outros homens e mulheres, ricos e pobres, sadios e doentes, que deixam de ser estranhos e intrusos e passam a ser nossos irmãos. É assim que o Reino de Deus vem até nós. Um Reino onde a nova lei do Evangelho de Jesus rege as atitudes e as relações, onde o faminto é saciado, o pobre é reconhecido, o pecador é perdoado, o doente é sarado, o triste recebe consolo e paz.
Tenhamos a coragem de fazer essa experiência de bem-aventurança, de felicidade, que o Senhor nos propõe. Que Maria, a Bem-Aventurada de todas as gerações, mãe dos pobres e dos aflitos, interceda por nós e seja nosso modelo.