Homilia para o 14º Domingo do Tempo Comum,
proferida a 5 de julho de 2020
por Dom Martinho do Carmo OSB

Zc 9,9-10; Sl 144; Rm 8,9.11-13; Mt 11,25-30

Caros irmãos e irmãs

IMAGINEMOS[1] um  pai que pela primeira vez segura seu filho em seus braços. A criança adormece nos braços de seu pai. E o pai esquece todas as preocupações daquele dia. Ele não se lembra mais do peso da fadiga que curvava seus ombros. A criança adormece nos braços de seu pai e o coração do pai fica maravilhado. O abandono de seu pequenino em seus braços, essa confiança da criança que se lhe entrega inteiramente, comove profundamente o pai. Este pequenino sem resistência, sem defesa, toca-o no mais íntimo de seu coração. Aquela criança desperta, nas profundezas de seu pai, uma ternura inexprimível. Diante de seu pequenino, o coração do pai exulta e vibra de alegria.

O mesmo acontece com Deus. “Vinde a mim todos vós que estais cansados e fatigados sob o peso dos vossos fardos, e eu vos darei descanso”, diz Jesus (Mt 11,28), porque Ele quer revelar-nos o mistério de seu Pai. Deus é esse Pai que nada nos pede senão essa confiança que nos permite dormir em paz, colocando em suas mãos o nosso fardo de cada dia. Deus é esse Pai cujo coração se maravilha diante de seus filhos – os seres humanos – que, cansados, colocamos nossas vidas em suas mãos, porque ela, realmente, é muito pesada, áspera, árida. Deus é esse Pai que pede a seus filhos apenas um pouco de abandono. Pois o menor ato de abandono de um de seus pequeninos agrada a Deus muito mais que todo o cansaço causado pelos sábios e entendidos.

Eles – os sábios e estudiosos – se cansam demais. Eles não têm compaixão de si mesmos; eles usam seus próprios esforços para adquirir cada vez mais conhecimento e experiência. Eles devem ser competitivos em seu próprio campo de atuação. Eles não se dão o direito de serem superados e, por isso, são sempre forçados a iniciar novos empreendimentos para não serem descartados pela sociedade. Sua vida é pesada, muito pesada.

E Deus, por sua parte, se cansa com esses pobres pequeninos que nem sequer reconhecem seu direito de descansar. Deus sabe muito bem que os filhos dos homens se acostumaram de tal forma a sempre trabalhar que, quando param, isso lhes pesa na consciência. Deus se cansa de lhes dizer que é bom descansar. Mas é também a eles que Jesus diz: “Vinde a mim todos vós que estais cansados e fatigados sob o peso dos vossos fardos, e eu vos darei descanso”.

Mas os filhos dos homens esqueceram o que é descanso e não compreendem o que Deus quer que eles façam. Eles consideram a vida com Deus como sendo outro fardo, uma tarefa adicional. É o grande mal-entendido entre Deus e seus filhos, um profundo mal-entendido: o ser humano – tendo perdido o hábito de descansar – não entende que Deus não lhes pede outra coisa senão um pouco de abandono, de repouso, de entrega de suas vidas em suas mãos. Mas eles continuam sem entender o que o Senhor quer que eles façam. E assim, Deus permanece escondido aos sábios e entendidos.

Aliás, hoje, muitos “católicos” se autointitulam “sábios entendidos”, donos da verdade e, mesmo em tempo de risco de epidemia e de recomendações de distanciamento social, se cansam – e nos cansam – vociferando contra as medidas preventivas do governo e até da Igreja, reclamam dos padres, dos bispos, e até do Papa. Caros irmãos e irmãs, o monaquismo surgiu numa época em que muitas vezes só se comungava uma vez ao ano! E quantos Santos Padres do Deserto não surgiram naquele tempo? Alguns, hoje, começaram até a difundir supostas “profecias” relativas ao fim do mundo… Ora, pode ser que isso seja verdade. O próprio São Bento convida o monge a “ter diariamente a morte diante dos olhos” (cf. RB 4,47). Mas, isso não apaga esta página do Evangelho! Ó “sábios e entendidos”, mesmo que o mundo acabe amanhã,  vós esqueceis do essencial que é descansar em Deus, é colocar suas vidas nas mãos de Deus, ou, como refletimos em nossa palestra online da última quinta-feira, o essencial é fazer o que o Senhor nos pede no salmo 45: “‘Parai e sabei, conhecei que eu sou Deus, que domino as nações, que domino a terra!’ Conosco está o Senhor do universo! O nosso refúgio é o Deus de Jacó!” (Sl 45,11-12).

É este o sentimento da criança da nossa meditação, que adormece nos braços de seu pai e faz com que o pai esqueça todas as preocupações do dia. Quando a criança adormece, o coração de seu pai é despertado e maravilhado. Diante daquela criança abandonada em seus braços, o pai, por meio de seu pequenino, entra no Mistério. O que ele conhece, então, não é da ordem do simples sentimento, nem da ordem da razão, nem da ordem da sabedoria. Ele entra em um domínio secreto, misterioso e desconhecido.

A criança adormecida desperta neste homem maduro o espírito da infância. A criança revela a seu pai que ele também foi um pequenino. E o homem, no mais profundo de si, lembra-se da criança que foi um dia, da criança que permanece dentro de si, da criança que ele é chamado a ser, da criança que um dia virá a ser.

Então, à luz do evangelho de Cristo, o homem pressente que aquilo que Deus escondeu dos sábios e entendidos foi revelado aos pequeninos. Quando o ser humano encontra esse abandono, essa confiança primordial nos braços de seu Pai dos céus, ele compreende com qual ternura Deus envolve aquele que consente ser simplesmente seu pequenino. Em nível mais íntimo, o ser humano descobre, finalmente, o que é ser filho de Deus. Ele conhece o Pai reconhecendo-se como filho. “Ninguém conhece o Pai, senão o Filho”. Tanto o Pai como o Filho maravilham-se mutuamente. Eles descansam um no outro. Eles confiam totalmente um no outro. E o Filho do homem exulta e canta: “Eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra!”

Amém!

Após a comunhão

Caros irmãos e irmãs, desde o início da quarentena na Itália, quando a missa no Vaticano era celebrada sem a participação dos fiéis, o Papa Francisco sempre convidava àqueles que não podiam comungar sacramentalmente a fazer a Comunhão espiritual com a seguinte oração:

Meu Jesus, eu creio que estais presente no Santíssimo Sacramento do Altar. Amo-vos sobre todas as coisas, e minha alma suspira por Vós. Mas, como não posso receber-Vos agora no Santíssimo Sacramento, vinde, ao menos espiritualmente, a meu coração. Abraço-me convosco como se já estivésseis comigo: uno-me Convosco inteiramente. Ah! não permitais que torne a separar-me de Vós!

Papa Francisco

[1] Homilia feita com base em textos de Christine Fontaine em http://www.dieumaintenant.com.

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