Homilia para a Solenidade da Assunção de Maria,
proferida a 16 de agosto de 2020
por Dom Martinho do Carmo OSB

Ap 11,19a;12,1.3-6a.10ab; Sl 44; 1Cor 15,20-27a; Lc 1,39-56

Caros irmãos e irmãs, podemos dizer que a história da humanidade descrita na Sagrada Escritura teve um começo muito ruim. Deus criou o homem para a eternidade, para a vida e para a incorruptibilidade. O homem e a mulher deveriam participar da própria glória de Deus. Eles não deveriam ter conhecido a morte. Mas eis que, por meio do pecado de Adão, eles conheceram a morte, a destruição e a corrupção. Aquele que foi feito para a luz divina, conheceu as trevas do pecado. Mal começou, quando a criação do homem e da mulher estava ainda balbuciando, e o projeto de Deus já parece ter falhado. Será que o plano de Deus para Adão e para todo ser humano era então grandioso demais? Não teria sido demasiada a esperança que Ele colocou no ser humano? Não teria Deus pedido ao homem algo que estava além do que aquilo que uma criatura poderia oferecer?

Ora, a Solenidade da Assunção de Maria que hoje celebramos nos mostra que o projeto de Deus se cumpriu. O que ele havia previsto para a humanidade foi realizado em uma pessoa humana. Maria, nós cremos, já nos precede na glória do céu, com seu corpo e sua alma. Nela nós já podemos contemplar a plenitude da criação. Se Cristo, no dia da Ascensão, elevou a nossa natureza humana aos céus, Maria foi a primeira, no dia da sua Assunção, a entrar nos céus como pessoa humana.

Mas é muito fácil replicar: para ela era fácil, pois ela não tinha pecado, e nós “pobres pecadores”, como dizemos na “Ave Maria”, somos diferentes dela. E eu vos treplico: estar sem pecado não tira de Maria nenhuma das características humanas. Assim como todos nós, ela ama ela busca a verdade, ela vive em sociedade, ela ri, ela chora, enfim, ela é plenamente humana. Justamente, nela nada se opõe à natureza humana tal como ela foi desejada por Deus. Nada é falso, nada nela corresponde às falsas escolhas que muitas vezes fazemos: nós buscamos a felicidade, mas ou nos equivocamos sobre o que é a verdadeira felicidade, ou optamos por meios que não nos levam na direção certa. Em Maria não há nada disso. Nela não existe nenhuma contradição entre o que ela deseja interiormente – que é obra da Graça – e o que ela realiza efetivamente. Neste sentido, a Virgem Maria é uma obra perfeita. O que Deus desejou para toda a humanidade, foi realizado na pessoa de Maria. E como o pecado e a morte não tinham lugar no plano de Deus para o ser humano, a Virgem, Imaculada de todo pecado, entrou na glória sem conhecer a corrupção da morte.

A Virgem Maria, então, é o modelo da nossa vida futura, pois ela já vê, em sua carne, Deus face a face. Ela já está na comunhão dos anjos, e essa preocupação para com a humanidade que ela já conhecia na terra (como pode ser visto nas Bodas de Caná) encontra sua máxima expressão agora que ela está nos céus.

Mas, então, porque ela se afastou tanto de nós? Na verdade, é justamente o contrário. Precisamente porque ela está com Deus e em Deus, está muito perto de cada um de nós. Quando ela estava na Terra, ela só podia estar perto de algumas pessoas. Estando em Deus, que está perto de nós – ou melhor, que está “dentro” de todos nós –, Maria participa dessa proximidade de Deus. Estando em Deus e com Deus, ela está perto de cada um de nós, ela conhece o nosso coração, ela pode ouvir as nossas orações, ela pode nos ajudar com sua maternal bondade, já que ela nos foi entregue como a “mãe”[1], a quem podemos recorrer a qualquer momento. Ela sempre nos ouve, ela sempre está perto de nós e, sendo a Mãe do Filho de Deus, ela tem participação na força e na bondade de seu Filho. Nós podemos sempre confiar toda a nossa vida a esta Mãe, que está perto de todos nós.

Se a Virgem Maria é o modelo da nossa vida futura, e se ela intercede por nós junto a Deus, ela é também o modelo da nossa vida presente. Nela, todo cristão pode contemplar o projeto completo e inalterado de Deus para o ser humano. Tudo no homem é feito para a glória de Deus, tudo no homem conduz à glória de Deus, tudo o que ele faz deve ser feito para a glória de Deus. O Magnificat, saído dos lábios de Maria, diz exatamente isso. Neste canto se reflete toda a alma, toda a personalidade de Maria. O Magnificat é um retrato, um verdadeiro ícone de Maria, no qual podemos vê-la exatamente como ela é. Podemos conhecer seu desejo de que Deus seja engrandecido no mundo, engrandecido em sua vida, que esteja presente no meio de nós, para que n’Ele possamos ser igualmente engradecidos. Pois somente Deus eleva os humildes e conduz a vida do homem à sua plena realização. Em Maria, nós contemplamos o desígnio de Deus realizado. Este projeto é grandioso, vai além das forças humanas, e não pode ser compreendido fora de uma profunda amizade entre Deus e o ser humano. E é exatamente a este projeto que somos chamados. Nós também ressuscitaremos. E, da mesma forma que Deus, de certo modo, aguardou pelo “sim” da Virgem para realizar a sua obra, Ele igualmente agora nos aguarda para dar, também a nós, sua glória em plenitude. Ele nos espera: avancemos, então, em sua direção, apoiados pela oração de Maria, nossa Mãe.


[1]Depois [Jesus] disse ao discípulo: Eis aí tua mãe” (Jo 19,27).

Após a comunhão

Caros irmãos e irmãs, desde o início da quarentena na Itália, quando a missa no Vaticano era celebrada sem a participação dos fiéis, o Papa Francisco sempre convidava àqueles que não podiam comungar sacramentalmente a fazer a Comunhão espiritual com a seguinte oração:

Meu Jesus, eu creio que estais presente no Santíssimo Sacramento do Altar. Amo-vos sobre todas as coisas, e minha alma suspira por Vós. Mas, como não posso receber-Vos agora no Santíssimo Sacramento, vinde, ao menos espiritualmente, a meu coração. Abraço-me convosco como se já estivésseis comigo: uno-me Convosco inteiramente. Ah! não permitais que torne a separar-me de Vós!

Papa Francisco

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