HOMILIA ASSUNÇÃO DA BEM-AVENTURADA VIRGEM MARIA (Lc 1,39-56)

PROFISSÃO SOLENE DE DOM GABRIEL C. MOTA, OSB

D.Paulo Domiciano, osb.

A liturgia de hoje direciona o nosso olhar para o alto, para contemplar a Bem-aventurada Virgem Maria elevada por Deus em corpo e alma à glória celeste. Nela nós podemos reconhecer o sinal de que nos falou o Livro do Apocalipse na primeira leitura e que cantamos na antífona de entrada: “uma mulher vestida de sol, tendo a lua debaixo dos pés e sobre a cabeça uma coroa de doze estrelas”. Ela é a imagem de nosso destino final, da vitória do ser humano redimido por Cristo, da realização do plano eterno do Pai de divinizar o ser humano.

Ao mesmo tempo o nosso olhar se dirige para as coisas aqui da terra, para a nossa vida, a nossa história, nossos combates e conflitos. Esta mulher do Apocalipse, mesmo revestida da vitória e da glória do céu, continua ameaçada pelo enorme dragão cor de fogo e tem de fugir para o deserto, onde Deus lhe preparou um refúgio. No deserto ela continua a lutar contra toda forma de mal, simbolizada por aquele furioso dragão.

Isso não significa que o cristão tenha um olhar “estrábico”, com um olho no céu e outro na terra. Pelo batismo, ele foi iluminado pela luz pascal de Cristo, fazendo dele um “vidente”, ou seja, alguém capaz de ver. O cristão, e o monge, em particular, deve ser alguém capaz de ver além da realidade material, sabendo discernir e julgar a história e as suas tragédias a partir da luz do céu, isto é, a luz da vitória pascal de Cristo, que podemos reconhecer naquele Filho da mulher já arrebatado para junto de Deus e do seu trono.  

Também nós, juntamente com a mulher do Apocalipse, que também é figura da Igreja, devemos continuar a nossa luta aqui na terra, nas situações concretas de nossa vida, contra muitas formas de mal que nos ameaçam. Nós podemos lutar com coragem e confiança porque Cristo, com a sua Páscoa, já venceu e nos promete tornar-nos também participantes da sua vitória pascal. É dessa vitória que nos fala São Paulo na segunda leitura: Cristo ressuscitou dos mortos, primícias dos que morreram, e nele todos receberão a vida, porque Deus colocou tudo, até a morte, até o dragão vermelho do Apocalipse, sob seus pés.

Devemos, contudo, nos perguntar quais são as formas concretas que o dragão assume hoje em nossa história para podermos compreender contra o que devemos lutar e vencer. Não podemos evitar de pensar no mal da guerra, que espalha morte e destruição em tantas partes do mundo neste instante, semeando o ódio, o desejo de vingança, a tristeza e o desespero. Mas se olharmos para mais perto de nós, constataremos também em nossas comunidades cristãs, em nossas famílias, a presença de conflitos, de inimizades, de situações de divisão e rancor, onde a força do dragão cor de fogo parece prevalecer. Contudo, com os olhos iluminados pela vitória pascal de Cristo, como Maria e com Maria, devemos continuar a combater o mal com palavras de paz, de reconciliação, de esperança, de verdade e de justiça.

A Mãe de Deus foi elevada ao céu, mas continua a interceder e a combater conosco no deserto. Ele não abandona aqueles que seu Filho lhe confiou aos pés da cruz – “Mulher, eis aí o teu filho”. Ela nos ensina a lutar e a vencer o dragão, nos oferecendo três armas para isso:

– a primeira é a obediência: Maria ouviu a voz do Senhor e, com confiança, obedeceu. Se Eva, pela desobediência, fez a morte a entrar no mundo; Maria, com seu sim obediente ao plano de Deus, fez o autor da Vida entrar no mundo e com Ele a nossa salvação. Para nosso Pai São Bento a obediência é a arma, por excelência, para vencermos o inimigo de Deus e o primeiro grau da humildade (cf. RB 5,1); ele nos convoca a empunhar “as gloriosas e poderosíssimas armas da obediência para militar sob o Cristo Senhor, verdadeiro Rei” (Pról 3).

– a segunda arma usada por Maria é o serviço. Mesmo carregando em seu ventre o Filho de Deus, por causa de sua humildade e disponibilidade, Maria põe-se apressadamente à caminho da casa de sua prima Isabel para ajudá-la, como ouvimos no Evangelho. O dragão luta com as armas do poder, da violência, da dominação, do orgulho. Maria luta com as armas da humildade e do serviço. O serviço ao próximo nos liberta de nós mesmos, de nosso egoísmo, nos dando a possibilidade de “correr”, de avançar na busca do Reino de Deus.

– finalmente, a terceira arma que Maria nos apresenta é o louvor, o Magnificat. A ação de graças e a gratidão vencem o orgulho e a autossuficiência. De fato, é sempre mais fácil reclamar, amaldiçoar, blasfemar. Não é por acaso que São Bento abomine o mau da murmuração, pois ele sabe que isso nos aprisiona nas garras do maligno. Por isso é preciso manter no coração a capacidade de agradecer, de abençoar, de louvar, pois esta é uma arma que derrota o dragão.

Hoje, Ir. Gabriel, você é convidado a assumir a vocação de lutar (ou militar, como diz São Bento) com essas armas: a obediência, o serviço na caridade e o louvor. Em nome de seus irmãos, o monge assume a missão de combater, na força do Espírito, guiado pelo Evangelho, contra o mal. Não porque seja melhor que os demais homens da terra, mas, justamente, porque se reconhece o mais frágil e necessitado da misericórdia de Deus, como Maria, como Paulo, como Bento.

Assim, para concluir, voltemos uma última a esta página do Apocalipse. O dragão é enorme, imponente, assustador, pareceria invencível. Em contrapartida, aquele que nasce da mulher é apenas uma criança, um recém-nascido, fraco, indefeso, impotente. No entanto, é ele quem vence. E com ele também vencerão as pequenas sementes do bem que poderemos gerar vivendo a obediência, o serviço e o louvor. Não esqueçamos que, como Maria, devemos agradecer e engrandecer a Deus, o Todo-Poderoso, que dispersa os soberbos de coração, derruba os poderosos dos seus tronos e eleva os humildes, e, lembrado de sua misericórdia, proclama seus filhos todos os que constroem a paz.

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