Ascensão do Senhor – C.
At 1,1-11; Hb 9,24-28;10,19-23; Lc 24,46-53
Paróquia Senhor Santo Cristo (Cidade Tiradentes), São Paulo, SP.
30 de maio de 2022
Caros irmãos e irmãs. Ao ver a atitude dos discípulos no momento da Ascensão, olhando para o céu, parados, sem nada compreender, a única conclusão que podemos realmente extrair do texto, é que essa história não acabou! Certamente aconteceu alguma coisa, mas os discípulos permanecem sem palavras, como pessoas que estão esperando pelo que vem a seguir. De fato, a história não está completa; é impossível dar a ela uma palavra final; e é exatamente isso que São Lucas disse a seu querido Teófilo, no início do livro dos Atos dos Apóstolos:
“Homens da Galileia, por que ficais aqui, parados, olhando para o céu?”,
(At 1,2)
como se dissesse: “Prestem bem atenção, pois a história está apenas começando!” E a mesma coisa acontece hoje na liturgia: o Tempo Pascal ainda não acabou, temos mais sete dias até Pentecostes!
Mas, o que nos diz esta Solenidade da Ascensão? O que há de novo nela? E por que festejar a Ascensão? É uma festa um pouco frustrante, porque é o momento em que Jesus desaparece à vista de seus discípulos: sim, o evangelista São Lucas nos narra precisamente um DESAPARECIMENTO:
“Jesus foi levado ao céu, à vista deles. Uma nuvem o encobriu, de forma que seus olhos não mais podiam vê-lo”.
(At 1,9)
Até então, durante todo o Tempo Pascal, nos foi dado contemplar as APARIÇÕES do Ressuscitado, que certamente nos foram reconfortantes. Mas hoje, é justamente o oposto: Lucas coloca em cena um fenômeno que os outros evangelistas deixaram passar em silêncio, talvez porque, para eles, este fato fosse apenas o lado negativo e desnecessário da história: um novo desaparecimento de Jesus. Entretanto, na Sagrada Escritura, aparição e desaparição são duas faces da mesma realidade, e vamos hoje tentar entender o porquê.
Irmãos e irmãs, em primeiro lugar, devemos aceitar que esta festa da Ascensão é particularmente preciosa para nós, porque ela não corresponde às conveniências: mais uma vez, Jesus se retira do meio dos seus, e estes encontram-se, novamente, estagnados e confusos: o que acontece agora? E isso está em plena concordância com o que o povo de Israel experimentou ao longo de sua história: Deus cujo nome é Emanuel, Deus que disse “Eu estou convosco”, que disse a vários de seus profetas “Eu estou contigo”, este Deus também se mostrou singularmente ausente em alguns momentos. A história do povo de Israel, tomada como um todo, do Êxodo ao Exílio e até à ocupação romana, sempre foi vista como uma grande derrota, onde Deus esteve ausente. Mas, serás que Jesus está fazendo a mesma coisa conosco?
Sim, mas este desaparecimento não é sua última palavra na história!
São Lucas é o único evangelista da Ascensão, mas ele é também o único que escreveu um segundo livro tão grande quanto o seu evangelho, e que é chamado de Atos dos Apóstolos; o conjunto de seu testemunho é uma peça em dois atos, onde as cortinas se fecham entre eles, e todos se perguntam: “O que vai acontecer agora?” E Lucas, no início dos Atos Apóstolos, volta-se a seus espectadores dizendo: “Meu caro Teófilo, por que estais aí olhando para o céu? Olhe ao seu redor, veja a história da Igreja que está nascendo diante dos seus olhos”: e este nascimento da Igreja é justamente o que o livro dos Atos dos Apóstolos vai contar! E tanto para os contemporâneos de Atos dos Apóstolos, quanto para nós, o foco agora, não são mais as aparições do Ressuscitado, mas sim o novo modo de presença do Ressuscitado: a presença de Jesus em sua Igreja.
Irmãos e irmãs, ainda hoje, também nós temos esta tentação, e provavelmente teremos esta tentação ao longo de toda a nossa vida cristã: a tentação de buscar a Cristo sem a Igreja – sem os Sacramentos, sem a Eucaristia e a Penitência –, buscar a Cabeça sem o Corpo de Cristo, buscar supostas “aparições” sem nos deixarmos interpelar pela pedagógica ausência do Cristo, buscar Ressurreição sem antes experimentar a Paixão, buscar a Deus e desprezar o ser humano… Mas Jesus está presente justamente quando os dois estão intimamente unidos. A vida cristã começa somente nesta intima união entre dois: Deus com o ser humano, Cristo com a Igreja. Esta união é o próprio Espírito Santo! Este é o seu papel: unir de forma invisível. Ele não somente une, mas é a própria união entre o Pai e o Filho, Ele une o Filho e os seres humanos, e une os seres humanos entre si. A Ascensão nos mostra numa imagem que, doravante, além das aparências, o céu de Deus e a terra dos homens não são mais dois espaços separados, mas um único e mesmo espaço invisivelmente conectado e unido. Como no Templo de Jerusalém, onde foi rasgada a cortina que separa os dois espaços, o espaço entre o divino e o espaço do humano, da mesma forma agora, Cristo verdadeiro Deus e verdadeiro homem, por meio da Igreja nascida da Água e do Espírito, faz a divindade habitar verdadeira e definitivamente em nossas vidas humanas. Amém! Aleluia!
Dom Martinho do Carmo, osb