Homilia da Ascensão do Senhor (Mc 16, 15-20)
D. Afonso VIEIRA, OSB
O Senhor foi elevado ao céu e sentou-se à direita de Deus.
Irmãos e irmãs, é sempre difícil deixar alguém próximo, separar-se de quem se ama, mas num momento ou outro da vida, todos nós experimentamos a separação de nossos entes queridos. Depois da morte e ressurreição de Jesus é chegado o momento em que Ele volta ao Pai. Hoje, nós celebramos a Ascensão do Senhor, porque, Cristo não está morto. Ele ressuscitou dos mortos!
O período entre a Ascensão e o Pentecostes, que será celebrado a semana que vem é de ausência, lembrando o túmulo vazio. Jesus se foi, e seu Espírito – que ele prometeu enviar aos discípulos – ainda não está presente. Se Cristo se retira, se ele tira seu apoio e sua proximidade de nós por um momento, como que para nos reorganizar, deixar que nós aprendamos a lidar com a dor, é como que um momento de luto, pois, muitas vezes estamos cheios demais de emoções e sentimentos, e percebemos que nossa fé é bastante frágil. Se não sinto nada na oração, concluo que Deus está ausente. Mas isso acontece simplesmente porque Deus está tentando, como um pai com seu filho, fazer com que eu caminhe por mim mesmo. E, para fazer isso, Ele precisa soltar minha mão.
As pessoas recém-convertidas, ou noviços que entram no mosteiro, como aqui na nossa casa, sentem muitas coisas, como um fogo fervente de emoções. É a graça do início, a chama da juventude que os faz falar de Deus como se sempre o tivessem conhecido. São como que, de certa forma, profetas, porque tem o fogo de que Deus coloca em seus corações, para fazê-los experimentar sua fidelidade, seu amor. E, é claro, eles se apegam a isso e saboreiam esses momentos com felicidade. Mas a nuvem branquinha no céu azul num dia ensolarado de inverno passa. É como o amor entre duas pessoas recém casadas que após a lua de mel, se não for cultivado ele rapidamente se torna monótono e sem graça. Mas é preciso seguir em frente, virar a página, caminhar. Por isso precisamos nutrir esse relacionamento com Deus de outra forma, mantendo a fé, além do visível e do sensível.
Cristo ascendeu ao céu porque o céu é o lugar onde Deus habita. Dessa forma, ele nos ensina a nos desapegarmos das coisas desta terra, para nos ajudar a nos apegarmos às realidades do alto. Quando ele vai passar a noite em oração na montanha, e todos estão procurando por ele, Jesus já está nessa atitude, está em relacionamento com Pai. Ele se afasta de nós para se voltar para a Fonte, seu Pai. Nesse sentido, ele procura nos fazer crescer, elevar nosso olhar para a Origem e o Princípio de tudo. É a mesma coisa quando ele diz a Maria Madalena: ‘Não me detenhas, pois ainda não subi ao Pai’. Se Jesus veio à Terra, foi para nos levar com ele para o céu. Sua vocação não é ficar aqui na Terra conosco, mas nos mostrar o caminho que nós também devemos seguir um dia.
No Evangelho nos vemos que Jesus ressuscitado manda (“ide”) os discípulos ao encontro do mundo e define os contornos da missão que lhes é confiada (vers. 15-18). Isso sublinha a universalidade da missão (vers. 15a). Os discípulos são enviados a “todo o mundo” e não deverão deter-se diante de quaisquer barreiras, pois a proposta de salvação que Jesus fez e que os discípulos devem testemunhar não tem limites. O espaço de atuação dos discípulos é “o mundo inteiro, onde eles devem falar a “toda criatura”. Esse anúncio do “Evangelho” obriga a fazer uma opção de vida (vers. 16), quem aderir à proposta que Jesus faz, chegará à Vida plena e definitiva (“quem acreditar e for batizado será salvo”); mas quem recusar essa proposta, ficará à margem da salvação (“quem não acreditar será condenado”). Esse convite de Jesus é o que transforma o coração do Homem, pois o “Evangelho” apresentado por Jesus e anunciado pelos discípulos propõe uma nova relação do Homem com todas as outras criaturas – uma relação não mais marcada pelo egoísmo, pelo abuso e pela exploração, mas pelo respeito e pelo amor.
Depois de definida a missão dos discípulos, o caminho de Jesus na terra está concluído, e assim nos é descrita a partida de Jesus e a sua entronização “à direita de Deus” (vers. 19), mostrando que a glorificação de Jesus ao lado de Deus garante a veracidade da proposta de Jesus. Na concepção dos povos antigos, aquele que se sentava à direita do rei era um personagem distinto, importante, que o rei queria honrar de forma especial. Jesus, porque cumpriu com total fidelidade o projeto de Deus para os homens, é honrado pelo Pai e sentado à sua direita. Aquilo que Jesus apresentou, que os discípulos acolheram e que vão ser chamados a testemunhar no mundo, não é uma aventura sem sentido e sem saída, mas é o projeto de salvação que Deus quer oferecer ao Homem e a todos os outros seres criados.
Cristo é a nossa esperança. Ele é a Cabeça que já está no céu, e todo o Corpo é chamado a segui-lo nessa ascensão, porque nos foi prometida, por Ele mesmo, a eternidade. Portanto, precisamos olhar para a Terra como se já estivesse salva e transfigurada, mas isso exige que purifiquemos nosso olhar, que vejamos o material agora no presente, mas com a perspectiva do futuro. É por meio da fé, que é o sim dado pelo homem a Deus, que isso acontece e a partir desse sim é que recebemos a vida. Deus garante sua ação naqueles que enviou e convida todos os homens a abandonar o que é visível e entregar-se no mistério da salvação.
Peçamos a Deus essa graça hoje, pois ele se entrega a nós em seu Corpo e Sangue, cumprindo assim o sacrifício do amor perfeito. Amém!