Dom Agostinho Fagundes, OSB

Meus caros irmãos,
no dia 02 de fevereiro nós celebramos uma importante festa do calendário litúrgico, a da Apresentação Senhor.
Ela ocorre exatamente 40 dias após o Natal, pois tal como nos é narrado pelo Evangelho de São Lucas, na
observância da pureza cultual prevista em Lv 12,-18, e também em relação ao resgate do filho primogênito, conforme Lv 18,16, Maria e José vão a Jerusalém para apresentar Jesus no Templo. Isso é o que nos conta o texto de Lc 2,22-40.
O próprio Missal Romano nos esclarece que no Oriente esta festa era chamada de Hipapante, que
traduzimos por Encontro. E quando há a Benção e Procissão das velas, o Missal orienta que o sacerdote, após saudar o povo, diga as seguintes palavras (ou semelhante a elas): Hoje chegou o dia em que Jesus foi apresentado ao templo por Maria e José. Exteriormente cumpriu a lei, mas na realidade veio ao encontro do seu povo fiel. Assim, já no início da celebração podemos compreender um dos sentidos desse encontro: o Cristo Jesus vem para aqueles que com tão grande expectativa o aguardavam. O povo de Israel está ali representado no Templo de Jerusalém pelos idosos Simeão e Ana. Mas podemos refletir que este é também o encontro de Jesus com o Pai, na Sua Casa. Ali ele foi levado para ser ofertado ao Senhor, numa antecipação daquilo que mais tarde Ele fará ao se oferecer a si mesmo no altar da cruz, sendo a um só tempo sacerdote, altar e vítima.
Esta festa era celebrada de modo bastante solene em Jerusalém, com uma procissão ao lado da Igreja da
Ressurreição, já no ano 400 d.C., conforme encontramos na obra Peregrinação de Etéria. Algumas décadas mais tarde, na metade do século V, os cristãos haviam adotado o costume de portar velas na procissão. Ora, parece que essa mesma celebração também já era conhecida em Roma neste mesmo período, pois o Papa São Leão Magno faz alusão a ela numa de suas cartas. Alguns documentos posteriores falarão de que nesta mesma festa havia uma procissão com luzes, e outros ainda mais tardios vindos da Gália – mas pertencentes ainda ao primeiro milênio – dizem que uma benção era dada sobre as luzes que os fiéis traziam consigo para a procissão.
A partir dessas primeiras considerações, vejamos o que a Palavra de Deus nos comunica neste dia.
A primeira leitura é tirada do livro do profeta Malaquias. Por meio dele, Deus diz a Israel que vai enviar
Seu Anjo para purificar Seu povo, a fim de que eles possam se aproximar do Senhor com suas ofertas, e elas sejam agradáveis a Ele, dado que suas vidas foram renovadas, e o seu modo de agir na presença de Deus foi transformado. Esse Dominador – para usar a palavra do profeta – chega ao Templo; e quando Maria e José levam ao Templo de Jerusalém o menino, os cristãos viram nesse acontecimento o cumprimento da profecia. Mais uma vez, a Palavra de Deus se realizava diante deles, pois o Deus de Israel é fiel e age em favor de Seu povo.
No salmo 23, proposto para o dia da festa, o salmista pede que as portas do templo de Jerusalém se
abram para receber O Rei da Glória […,] o Senhor onipotente que está chegando. E para nós, cristãos, ele chega no momento em que Sagrada Família está ali na cidade santa, na casa de Deus.
Esta prevista uma segunda opção de leitura, e ela tem sua fonte na Carta aos Hebreus. Porém, como
neste ano a Festa da Apresentação do Senhor é em um domingo, ela torna-se uma leitura obrigatória. Nesse texto, o autor reafirma o dogma da Encarnação do Senhor. Cristo Jesus assumiu a nossa carne e nosso sangue, a nossa condição humana, para poder nos libertar da morte e do maligno. Fez-se em tudo semelhante a nós, conhecendo em sua vida tudo o que faz parte da nossa, e assumiu a nossa morte, vivendo-a plenamente em sua cruz. Ali Ele se torna o nosso sumo sacerdote, intercedendo por nós junto do Pai ao se oferecer a si mesmo em nosso lugar – um inocente em lugar de um pecador. Como dissemos anteriormente, quando ainda era uma criança, foi oferecido no Templo de Jerusalém ao Deus Vivo. Na cruz ele repete o mesmo gesto e, ao mesmo tempo, perdoando os nossos pecados, nos oferta ao Pai juntamente com seu sacrifício, tornando-nos uma oblação agradável a Deus – tal como afirmava a primeira leitura ao dizer: Será então aceitável ao Senhor a oblação de Judá e Jerusalém.
E por fim temos o Evangelho de Lucas, narrando para nós Maria e José apresentando o menino Jesus
no templo. Ali, Simeão e Ana o acolhem, afirmando que havia chegado a salvação prometida pelo Deus de Israel, a libertação de Jerusalém. O velho Simeão diz que o Cristo Jesus é a luz para iluminar as nações. Ele vem trazendo a presença de Deus em meio ao povo de Israel e ao mesmo tempo irradiando sua luz sobre todos os povos. O próprio Cristo Senhor, em sua vida adulta, no Evangelho de São João, irá proclamar: Eu sou a luz do mundo. Quem me segue não andará em trevas, mas terá a luz da vida (Jo 8,12). Assim, as velas que portamos durante a procissão para ingressarmos na igreja recordam-nos todas essa realidades, e enquanto nos aproximamos de Deus e Seu Cristo pedindo que as mais profundas trevas de nosso coração sejam dissipadas pelo Seu Amor, pedimos força para continuar nossa missão de construção do Reino de Deus, pois não nos convém esquecer que, aos deixarmo-nos iluminar pela Palavra de Deus e ao comungarmos de Seu Corpo e Seu Sangue, o próprio Senhor nos diz: Vós sois a luz do mundo (Mt 5,14). Nossa vocação cristã é a de comunicar a luz de Deus. Celebrar essa festa da Apresentação é também um re-Encontro com nossa missão evangelizadora.
Mas em meio aos louvores dados a Deus por Simeão e à benção que ele dá aos pais daquela criança, uma palavra profética é dirigida à Virgem Maria: o seu coração será traspassado. E por isso o Papa São Paulo VI nos ensinava em sua Exortação Apostólica Marialis Cultus: Esta união da Mãe com o Filho na obra da Redenção (LG 57) alcança o ponto culminante no Calvário, onde Cristo “se ofereceu a si mesmo a Deus como vítima sem mancha” (Hb 9,14), e onde Maria esteve de pé, junto à Cruz (cf. Jo 19,25), “sofrendo profundamente com o seu Unigênito e associando-se com ânimo maternal ao seu sacrifício, consentindo amorosamente na imolação da vítima que ela havia gerado” (LG 58), e oferecendo-a também ela ao eterno Pai.
Um conhecido canto popular para o momento da preparação das oferendas expressa essa mesma
compreensão:
Sobe a Jerusalém, virgem oferente sem igual.
Vai apresenta ao Pai teu Menino: Luz que chegou no Natal.
E, junto à sua cruz, quando Deus morrer fica de pé.
Sim, Ele te salvou, mas o ofereceste por nós com toda fé.
Assim, ao ouvirmos atentamente a proclamação do Evangelho, encontramos a figura desta Mãe que nos
ensina a renovar a nossa fé em Deus e a continuamente nos abandonarmos nas mãos d’Aquele que tudo fez e faz por nossa salvação.
Não convém deixar de recordarmos que o dia 02 de fevereiro é também, desde 1997, por iniciativa de
São João Paulo II, o Dia da Vida Consagrada. Na Mensagem do Papa João Paulo II para a Celebração do Primeiro Dia da Vida Consagrada, publicada naquele ano, ele dizia que […] a Apresentação de Jesus no Templo constitui um eloquente ícone da total doação da própria vida, para todos os que foram chamados a reproduzir na Igreja e no mundo, mediante os conselhos evangélicos, «os traços característicos de Jesus virgem, pobre e obediente» (Exort. Apost. Vita consecrata, 1). E depois ele salienta que tal como Maria, a Igreja ainda hoje continua a oferecer seus filhos e filhas ao Pai celeste, associando-os à única oblação de Cristo, causa e modelo de toda a consagração na Igreja.
Que o Senhor nos conceda, ao celebrarmos tão significativa festa, vivenciarmos um profundo Encontro
com Deus e aprofunde em nós o desejo de vivermos sempre mais por Cristo, com Cristo, em Cristo, por meio de
Seu Espírito que habita o mais profundo dos nosso corações.

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