HOMILIA DO VIII DOMINGO DO TC-C (Lc 6,39-45)

Dom Paulo DOMICIANO, OSB

Nas palavras de Jesus, que Lucas nos apresenta na terceira e última parte do “Sermão da Planície” podemos ouvir um enfoque peculiar no relacionamento entre mestre e discípulo. É um tema que pode ter diferentes atualizações: pode, de fato, ser aplicado àqueles que, dentro da Igreja, vivem um serviço de responsabilidade e orientação, na qualidade de sucessores dos Apóstolos, mas também é aplicado à comunidade cristã, chamada como um todo para orientar os outros nos caminhos de Deus, seja na família, na comunidade ou na sociedade. Jesus, através de uma série de pequenas parábolas ou sentenças de comparação, nos oferece indicações preciosas, que nos questionam pessoal e comunitariamente. Podemos citar quatro condições:

– “Um discípulo não é maior do que o mestre; todo discípulo bem formado será como o mestre”.  É preciso entrar nesta escola do discipulado para ser formado e, assim, deixar-se transformar pelo Mestre e ser como ele.

– Uma segunda condição consiste na disposição de viver um caminho de conversão pessoal, de deixar-se libertar da trave que cega os nossos olhos. Não fazer isso significa pretender guiar os outros sem reconhecer a própria cegueira.

– A terceira condição é mais positiva. Não é suficiente, negativamente, libertar-se daquilo que atrapalha a nossa capacidade de enxergar; é necessário, positivamente, tornar-se uma boa árvore, capaz de produzir bons frutos. Mas isso levanta uma outra questão: como podemos ser árvores boas? O que nos torna bons? Não é o bom fruto que torna a árvore boa, mas, ao contrário, é a árvore boa que produz bons frutos.

– Ligada a isso, uma quarta condição: liderar os outros exige ter uma palavra sábia, que é gerada em um coração transbordante. Como, então, tornar o coração cheio e transbordante de boas palavras?

Nós estamos, neste final de semana, fazendo uma experiência de iniciação à meditação e à lectio divina. Estamos justamente refletindo sobre isso: como permitir que o nosso coração seja um coração cheio da Palavra de Deus. Essa Palavra é capaz de transformar a nossa pobre palavra em uma palavra boa e cheia de sentido, inspirada pelo Espírito Santo, a exemplo do próprio Mestre Jesus.

Talvez, um critério que possamos assumir seja este: libertar-se de toda falsa pretensão; aquela pretensão de julgar os outros sem se dar conta da própria cegueira. “Pode um cego guiar outro cego? Não cairão os dois num buraco?”

O que nos cega é a pretensão não apenas de guiar, mas também de julgar os outros, sem perceber a necessidade de nos deixarmos julgar primeiro, e sem sentir a necessidade de nos deixarmos guiar, de nos confiarmos a alguém que possa guiar nossos passos e nos formar para nos tornarmos guias de outros. Essa admoestação pode ser dirigida principalmente àqueles que têm responsabilidades na comunidade, àqueles que exercem alguma autoridade e um papel de ensino ou de orientação nela; no entanto, ela também pode ser estendida a todo cristão, a todo pai e mãe de família, a todo chefe de empresa ou que tenha alguma responsabilidade na sociedade, na comunidade.

Como discípulos de Cristo, somos convidados a permitir que Ele nos forme, que Ele cure a cegueira de nossos olhos e que Ele, pela ação de sua Palavra e dos Sacramentos, nos transforme em árvores boas, capazes de produzir frutos bons, frutos do Espírito: “caridade, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, lealdade, mansidão, continência” (Gl 5,22-23). 

Com um coração renovado, cheio da presença de Deus e de sua Palavra, a boca só poderá falar, proclamar e cantar as maravilhas de Deus, exclamando com o salmista: “Como é bom agradecermos ao Senhor e cantar salmos de louvor ao Deus Altíssimo!”. Do mesmo modo, o olhar iluminado pela luz do Ressuscitado será capaz de contemplar o outro como “irmão”, como uma obra-prima das mãos de Deus, criado para crescer e frutificar como árvore boa.

Peçamos ao Senhor a coragem de nos deixar moldar por Ele, para que o mundo possa contemplar em nossas palavras e gestos a nossa verdadeira natureza: de filhos de Deus, criados à sua imagem e semelhança. E assim, que pelos frutos que produzimos se reconheça a árvore divina que nos gerou. 

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