D. Agostinho FAGUNDES, OSB
Meus caros irmãos e irmãs,
a liturgia deste domingo nos convida a aprofundarmos nossa fé no Deus Vivo, vivendo conforme sua vontade e cientes de que, se assim o fizermos, colheremos os frutos de uma vida enraizada n’Ele.
Na primeira leitura o profeta Jeremias nos revela a diferença entre aquele que confia em si mesmo ou
em um outro ser humano – esquecendo-se de todas as fraquezas e mazelas que nos constituem – e aquele que adere no mais profundo de si ao Deus Vivo. Esse último também conhecerá os períodos de seca, de aridez, de escassez, pois a vida não poupa ninguém. E quando menos esperamos, o sofrimento, a dor, a injustiça, a penúria se fazem presente em nossas vidas. Mas quando estamos com o nosso coração, com nossa vida arraigada em Deus, quando a seiva que nos alimenta é a Sua Palavra, a Sua vontade, quando o nosso olhar está fixo n’Ele, somos sustentados por Sua Graça e conduzidos em meio à provação. E assim, permitimos que o Senhor se utilize dos momentos de adversidade, preocupação e contrariedade para aprofundar a nossa fé, o nosso amor e nossa capacidade de compaixão.
Quanto ao salmo responsorial, em consonância com a primeira leitura, a liturgia coloca diante de nós o
Salmo 1, que faz a mesma reflexão que o profeta Jeremias. Esse salmo quer chamar a atenção de todo aquele que se volta para ouvir a Palavra de Deus sobre a questão dos dois caminhos que continuamente estão diante de cada homem, e que exigem que ele faça uma escolha – e essas muitas vezes não são fáceis. Somente a Lei de Deus pode conduzir o homem no caminho da salvação, da realização mais profunda de si, pois o coloca numa via de felicidade plena, verdadeira, autêntica. É uma vereda de renúncia, de perdão, de paciência, de amor, de esperança, e de salvação. E por isso cantamos: “É feliz quem a Deus se confia”. Estarmos unidos a Deus por meio de Seu Filho Jesus Cristo, no Espírito Santo, é o que nos permite viver em plenitude. Mas vivermos longe d’Ele, voltados para o pecado, fechados em nosso egoísmo e em nossa mediocridade é já antecipar a morte, é viver sem sentido… é ser como a palha que o vento leva.
O Evangelho de Lucas que nos foi proclamado no dia de hoje é uma parte do “discurso da planície”.
Temos ali quatro bem aventuranças e quatro “ais”. Cada vez que ouvimos essas palavras de Jesus Cristo,
dificilmente não nos enrubescemos ou ficamos constrangidos por nos darmos conta de quão distante estamos de sua mensagem. Primeiramente o Cristo diz que os pobres, os famintos, os que estão em lágrimas por causa do sofrimento e também os perseguidos por O amarem são bem-aventurados. E depois afirma que os ricos, os saciados, os que estão rindo e os que são elogiados são desafortunados. Estamos diante de um anúncio paradoxal e precisamos fazer uma escolha. Ou vivemos conforme o Senhor nos convida ou simplesmente não saberemos o que é viver plenamente. Pois ouvimos o Evangelho e depois retornamos para nossa casa e nos permitimos nos sentar confortavelmente sobre a poltrona da nossa mediocridade. Continuamos preocupados em acumular e consumir sempre mais, a correr atrás da abundância e de reconhecimento, a nos afastar de tudo aquilo que pode romper com nossa comodidade, e também a não nos comprometermos com o Evangelho, com o Cristo, e com
o próximo.
A nossa vida se torna, muitas vezes, uma grande correria, tentando darmos conta dos compromissos e
responsabilidades que só crescem, procurando realizar todos os projetos de vida que nos propusemos e que, de um modo ou de outro, representam nosso padrão de felicidade. Ou seja, tudo aquilo de que necessitamos para poder dizer “sou feliz”. Meus caros amigos, quando colocamos tudo isso à luz do Evangelho, o que é que permanece de pé? Quais são os elementos que, de fato, nos mostram que assumimos os valores do Reino de Deus e nossa vida está sendo norteada por eles? Será que já nos damos conta de que quanto mais acumulamos mais pesados nos tornamos?
Somos convidados a assumir em nossa vida aquilo que São Paulo está trazendo à reflexão para os cristãos de Corinto: será que a nossa vida diz respeito apenas ao “hoje”? Será que muitas vezes não nos tem faltado uma fagulha da eternidade em nossos corações? Será que não estamos vivendo com um olhar muito estreito para a nossa vida e a de nossos irmãos? Hoje é o dia de nos lançarmos, mais uma vez, nas mãos de Deus e de Seu Filho Jesus Cristo, e deixar ecoar as palavras que cantamos: “É feliz quem a Deus se confia”.