Dom Agostinho Fagundes, OSB

Meus caros irmãos,
neste Segundo Domingo do Tempo do Comum somos convidados a acolher o dom da vida em plenitude que o Cristo Senhor nos doou em sua Cruz, e que hoje nos oferece ao nos aproximarmos do banquete da Palavra e da Eucaristia. Meditemos atentamente nas palavras de vida eterna que a liturgia faz ressoar em nossos ouvidos no dia de hoje.
A primeira leitura, tirada da terceira parte do livro do profeta Isaías, revela o amor zeloso de Deus por Jerusalém. Aquela cidade outrora destruída, abandonada, esquecida será plenamente restaurada. E essa obra de salvação que será realizada pelo Senhor Deus é comparável à alegria de um matrimônio, àquela graça, àquele deleite que o noivo encontra em sua noiva, pois Deus renova seu Amor para com seu povo. Ele se alegra em seu povo e com seu povo. Por meio do profeta, Deus afirma que todo o mal que havia acontecido com Jerusalém será apagado por causa de Seu Amor. Haverá novamente um matrimônio entre Ele e seu povo, momento de júbilo, de celebração, de gozo, de realização, de plenitude,
tal como alguém ao descobrir o amor e se também perceber-se amado. E que agora há um só caminho para ambos trilharem juntos. Isso é o que o profeta manifesta ao povo e a cada um de nós. Deus quer ser conosco, estar conosco, fazer-se presente a nós, trilhar conosco um caminho de vida, guiar nossos passos, desposar nosso coração, unir-se a cada um de nós no mais profundo de nós mesmos, naquele lugar sagrado que só a Ele pertence, e que nada nem ninguém pode roubar-lhe.
Diante deste sinal imenso de sua bondade, a liturgia nos convida: “Cantai ao Senhor Deus um canto novo”. Ou seja, somos chamados a celebrar a presença de Deus agindo em nossas vidas, a adorá-lO, a dar graças a Seu Nome, reconhecer que Ele age em nosso favor apesar de nossos pecados, ainda que não mereçamos Sua graça e misericórdia. Mesmo quando tantas vezes agimos com indiferença à Sua Palavra, à Sua pessoa, aos Seus mandamentos. Embora continuamente vivamos mergulhados em nosso egoísmo, correndo para um lado e para o outro, totalmente distraídos, distantes de nós mesmos e do que verdadeiramente importa. Mas Ele é, e se faz presente, e renova todas as coisas, especialmente quando damos espaço para Ele em nossas vidas, quando criamos um tempo para Ele em nosso cotidiano,
quando nos abrimos ao Espírito de Deus, que habita em nós a partir de nosso batismo, e permitimos que Ele seja o nosso norte, que Ele retome a direção de nossa vida, concedendo a Ele agir em nós e por meio de nós.
Paulo, em sua carta aos cristãos de Corinto, trata exatamente de como o Espírito atua em nossas vidas para gerar bons frutos para toda a comunidade. Deus dá á comunidade cristã uma grande riqueza e variedade de dons, de ministérios, conforme Sua vontade. A parte que nos cabe é abrir o nosso coração, acolher os dons que Ele nos dá para podermos servir a cada um de nossos irmãos. Também nos cabe reconhecer os dons que Ele mesmo deu àquele que está ao nosso lado, pois tudo aquilo que vem de Deus para nossas vidas – se verdadeiramente vem de Deus – geralmente traz paz, alegria,
serenidade, e toda forma de bondade e plenitude não somente para aquele o recebe, mas para todos que o cercam. Porque ninguém nos ensina melhor o que é a generosidade do que o próprio Deus. Ele nos deu Seu Filho. O Filho deu a própria vida por nós. E ambos nos deram o Espírito Santo, Deus Vivo e atuante, fonte de vida que nos impulsiona a construir o Reino de Deus servindo nossos irmãos.
E então a liturgia de hoje nos coloca diante desta cena narrada pelo Evangelho de São João, que é o início do segundo capítulo: as Bodas de Caná da Galileia. Para compreendermos melhor essa perícope precisamos ter presente alguns elementos importantes que nela surgem. O casamento é um dos modos de a Sagrada Escritura – tal como ouvimos na primeira leitura – falar do amor que Deus tem para conosco, e o vinho é nela apresentado como um sinal de alegria – e especialmente no livro do Cântico dos Cânticos ele simboliza o amor esponsal. Além disso, o evangelista, antes de chegar ao relato das Bodas de Caná, já vinha narrado os diversos acontecimentos da vida do Cristo Jesus, fazendo uma contagem dos dias. Se fizermos uma leitura atenta do capítulo primeiro do Evangelho, perceberemos que com as Bodas chegamos ao sexto dia. Ora, no relato da criação, no livro do Gênesis, o sexto dia é o da criação do homem. Deus o criou, e para o evangelista, quem terminará esta obra, quem levará o homem à plenitude da vida é o Cristo Jesus, com sua atividade, com seus “sinais”, realizando o desígnio de Deus, que quer salvar o homem.
Agora vamos à cena. O casamento se dá em Caná, na Galileia, distante do centro político e religioso da
comunidade judaica. E a Mãe de Jesus estava presente. Jesus e seus discípulos estão convidados. Acaba-se o vinho. Ela conta para Ele, que antecipa a “sua hora” e manda encher as seis talhas de água; após isso, manda tirar a água e levar ao mestre-sala, que a experimenta, chama o noivo e diz que aquele era o melhor vinho da festa.
Para o evangelista, aquelas Bodas são símbolo da relação de Deus com seu povo. Maria, chamada de A Mãe de Jesus, está ali naquele casamento como figura do povo da Antiga Aliança, que permaneceu fiel a Deus, e que espera confiantemente a manifestação do Messias, que é aguardando há tanto tempo por Israel. O vinho, como já dissemos, simboliza a alegria. A economia da Antiga Aliança não é capaz de realizar plenamente o coração do homem. A Mãe de Jesus reconhece que se atingiu um momento de esgotamento, caracterizado por uma insuficiência radical. Diante da carência de vinho, ela não se dirige ao mestre-sala, mas a seu filho. Ela reconhece n’Ele aquele que Deus enviou para salvar os homens. O título mulher usado por Jesus para responder sua mãe era utilizado para mulher casada ou esposa, evidenciado que ela está ali representando o povo de Israel, desposado com o Deus Vivo. As seis talhas de pedra que eram utilizadas para a purificação simbolizam a lei mosaica – escrita em tábuas de pedra. E elas estão vazias – já não têm nada para oferecer ao coração do homem. Então Jesus manda enchê-las com água, que depois se torna o melhor vinho, pois é o Cristo Senhor que agora oferece ao povo a Nova Aliança, marcada pelo amor que dá a vida. E o vinho, que é também sinal do Seu sangue – que será ofertado na cruz do calvário – é a nossa salvação, a nossa redenção, o perdão de nossas faltas, a possibilidade de nos relacionarmos com Deus de um novo modo, a partir do acolhimento, pela fé, da Sua pessoa. E assim podemos viver em comunhão de amor com o Pai e o Filho, no Seu Espírito, que é nossa vocação humana e cristã. A alegria da vida em plenitude encontra-se somente me Jesus Cristo, nosso Deus, nossa vida e nossa paz.

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