HOMILIA NA SOLENIDADE DE NPSBENTO (Mt 5,1-12a)

D. Paulo DOMICIANO, OSB

Na biografia de nosso Pai São Bento, São Gregório nos conta que, após viver três anos no escondimento e no silêncio da gruta em Subiaco, São Bento é escolhido para ser abade de um mosteiro não distante dali. Contudo, por causa de sua disciplina e retidão de vida, os monges daquele mosteiro tentam matar o jovem abade com uma taça envenenada. Bento traça o sinal da cruz sobre o cálice e este se rompe em pedaços. Isso fez com que São Bento decidisse deixar aquele mosteiro e voltasse novamente para sua gruta em Subiaco.

“Voltou, então, ao recanto da dileta solidão, e só, sob os olhares do Contemplador Supremo, pôs-se a viver consigo mesmo”.

Esta expressão tão linda – habitavit secum, “viver consigo mesmo” – me veio ao coração durante toda essa semana enquanto eu pensava no que lhes diria hoje, na festa de nosso pai. O próprio São Gregório nos dá algumas pistas para entendermos melhor o seu significado, explicando que “quando somos arrastados muito fora de nós pela agitação do pensamento (das preocupações reais ou ilusórias), continuamos a ser nós mesmos, mas não estamos em nós mesmos, porque deixamos de olhar para dentro de nós e vagamos pelas outras coisas”.

Essa situação de dispersão é uma realidade muito presente em nosso tempo, em nossa vida cotidiana. Facilmente somos arrastados para fora de nós mesmos diante de tantas solicitações, de tantas preocupações reais e urgentes, mas também aquelas geradas pela nossa cabeça ou pela pressão dos meios de comunicação e da sociedade que nos rodeia. Os apelos das redes sociais e da sociedade de consumo nos arrastam para fora de nós para vivermos um mundo de fantasia, de representação e superficialidade. Assim, desviamos o nosso olhar de nós mesmos, de nosso interior, para aquilo que está fora, tentando corresponder aos olhares dos outros. Mesmo assim, tentamos acreditar que ainda estamos no controle, que não estamos tão alienados assim. Mas é preciso fazer uma prova, um exame, para verificarmos se ainda estamos em nós mesmos ou se estamos fora, se nosso olhar está voltado para o interior ou para o exterior.  

Este exame é feito quando, como São Bento, nos colocamos sob aquele único olhar que nos vê em verdade, que nos contempla integralmente: o olhar do Pai. Como o próprio Jesus nos aconselha quando fala da oração: “Quando orares, entra no teu quarto, fecha a porta e ora ao teu Pai em segredo; e teu Pai, que vê num lugar oculto, te recompensará” (Mt 6,6). Quando aceitamos ser contemplados pelo Pai, que vê o segredo de nosso coração, descobrimos também a nossa mais autêntica identidade, acolhemos a nossa realidade mais profunda como seres humanos, com todas as suas potencialidades e limites, luzes e sombras, e habitamos em nós mesmos, sem querer fugir, sem se deixar escapar.

Essa é a pureza do coração de que nos fala Jesus nas Bem-aventuranças: “Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus” (Mt 5, 8). A pureza não se limita a algum aspecto moral, simplesmente, mas engloba todo o nosso ser. Pureza significa inteireza. São Bento, habitando consigo mesmo sob o olhar do Criador estava inteiro, puro, livre. E por isso ele tinha uma visão iluminada sobre si mesmo, sobre o mundo, sobre as pessoas e sobre Deus.

Habitar consigo mesmo é muito diferente de estar “fechado” em si mesmo. Aquele que habita, habita uma morada, um lar; um espaço sagrado onde a pessoa se sente confortável, acolhida e livre. Por isso mesmo, aquele que habita consigo mesmo é capaz de abertura e acolhimento. É assim que São Bento vivia na habitação de seu coração sob o olhar do Pai.

Que nós também possamos fazer esta experiência de nos colocar sob o olhar daquele que nos conhece verdadeiramente e profundamente. Diante deste olhar não há nenhuma necessidade de representações, de corresponder a expectativas ou metas. Podemos, ao contrário, sermos nós mesmos, sabendo que somos acolhidos, amados, perdoados e impulsionados a viver uma vida pura, integral e verdadeira.

São Bento interceda por nós monges, por nossas famílias, amigos e benfeitores. Ele interceda pela Igreja e pelo nosso mundo, para que sejamos todos mais autênticos em nossa vivência do Evangelho das Bem-aventuranças e possamos contemplar a face de Deus em seu Reino.

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