SANTÍSSIMO CORPO E SANGUE DE CRISTO (Mc 14,12-16.22-26)
D. Paulo DOMICIANO, OSB
A solenidade de hoje nos coloca em sintonia com as solenidades pascais que acabamos de concluir em Pentecostes, como o próprio Evangelho que ouvimos nos atesta. De fato, na Quinta-feira santa celebramos a memória da instituição da Eucaristia na última ceia, onde Cristo se oferece a nós sacramentalmente e nos permite participar de seu mistério pascal.
“Fazei isto em memória de mim”. É deste mandamento do Senhor que nasce a Igreja, pois através dele somos convidados a repetir os gestos e palavras de Cristo até que Ele volte. Não se trata apenas de uma recordação de um fato perdido no passado, mas, pela ação do Espírito Santo, a celebração litúrgica é o memorial de Cristo, de sua vida, morte e ressurreição. Celebrar a Eucaristia, cumprindo este mandamento de Jesus, nos permite tomar parte em seu mistério de amor.
“Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia” (Jo 6,54). Estas palavras de Jesus chocaram aqueles que o ouviam. Na verdade, elas nos chocam até hoje… Por isso tantos quiseram interpretá-las de modo figurativo, dizendo que a Eucaristia é apenas um sinal, um pão e vinho abençoados, mas não Corpo e Sangue de Cristo. No Evangelho que acabamos de ouvir, Jesus não diz aos seus apóstolos “isso representa meu corpo e meu sangue”, mas diz “Tomai (todos e comei) isto é o meu corpo”, “Isto é o meu sangue, o sangue da aliança, que é derramado em favor de muitos”. E, como nos atesta S. Paulo, o Senhor acrescenta: “Fazei isto em memória de mim” (ICor 11,24.25). Ao mesmo tempo que entrega seu corpo e seu sangue aos apóstolos Ele lhes confia a missão de realizar este mesmo gesto ao longo do tempo em seu nome. É justamente isto que estamos fazendo hoje e em cada Eucaristia que celebramos.
Diante de tão grande mistério de fé e de amor temos de reconhecer que ainda nos falta a compreensão, o amor e uma maior abertura para que a ação de Cristo através deste sacramento opere em nós. Sendo assim, precisamos, literalmente, “aprender” a celebrar a Eucaristia. Isso não se refere simplesmente ao ritual da celebração, que mais ou menos somos habituados, mas diz respeito ao significado profundo deste dom de amor que o Senhor nos deixou e de sua ação em nosso interior e em toda a Igreja. Quando o Senhor nos pede “Fazei isto em minha memória”, Ele não quer somente que repitamos este gesto, mas que vivamos o seu sentido profundo.
Na verdade, isto que acontece com o pão e o vinho, que se tornam para nós Corpo e Sangue de Cristo, pela ação do Espírito Santo, é o que deve acontecer conosco. Em seu plano de amor, o Senhor deseja que nós nos tornemos seu Corpo. Isso é o que já teve início com nosso batismo: somos o corpo de Cristo. Mas ainda precisamos amadurecer neste processo e por isso precisamos tomar parte na celebração da Eucaristia e nos demais sacramentos, para que o que teve início em nosso batismo possa progredir e possamos crescer como Corpo de Cristo, como Igreja.
Como membros de Cristo, nós somos “felizes”, porque somos convidados a participar da ceia do Senhor. Reconhecemos que não somos dignos de que Ele entre em nossa morada, mas precisamos reconhecer também que nos falta amor diante deste mistério; nos falta um desejo mais profundo de conhecer aquilo que celebramos; reconhecer que nossa fé, muitas vezes, é uma fé de costume, de comodismo, e que precisamos, portanto, ser reanimados em nosso ardor. Por isso hoje, celebrando a Solenidade do Corpo e Sangue de Cristo, somos convidados a refletir um pouco sobre o modo como celebramos a Eucaristia. Quais as disposições interiores que temos quando nos decidimos a vir para a celebração? Como me comporto durante a missa? Qual o lugar que o domingo ocupa na minha semana? Como eu aprofundo o meu conhecimento sobre o significado dos gestos e palavras da celebração?
Para que a Eucaristia produza em nós os frutos de comunhão com Cristo, com a Igreja e com toda a humanidade, não basta, evidentemente, saber coisas sobre a Eucaristia, sobre a missa, mas somos convidados a mergulhar mais profundamente no mistério da Páscoa, assumindo em nós o caminho da conversão. Sem isso, a Eucaristia não passará de um “hábito de bom católico” e que não repercute em meu modo de viver como cristão. Pela Eucaristia somos convidados a viver “por Cristo, com Cristo e em Cristo”, permitindo que a vida de Cristo que recebo neste Sacramento se torne a minha vida.
Que a participação neste mistério de nossa fé neste dia solene nos faça progredir em nosso caminho de conversão para que os frutos da Eucaristia que celebramos despontem em nossa vida. Amém.