COMEMORAÇÃO DE TODOS OS FIÉIS DEFUNTOS (Jo 6, 37-40)
Dom Paulo DOMICIANO,OSB
A liturgia desta comemoração dos fiéis defuntos não nos fala muito de mortos, mas, sobretudo sobre a morte e seu sentido para nós. Hoje a Igreja faz memória de todos aqueles que partiram desta vida e que confiamos à misericórdia do Pai. Ao mesmo tempo, nós que estamos ainda sobre esta terra, somos convidados a refletir sobre a nossa própria morte.
Nosso pai São Bento nos exorta o monge a “ter diariamente diante dos olhos a morte a surpreendê-lo” (RB 4, 47), ou ainda, a correr enquanto temos a luz da vida, para que as trevas da morte não nos envolva (cf. Pról 13). De fato, o cristão não busca banir a morte de sua vida, não a nega, como tantos tentam fazer em nosso tempo, mas faz memória dela várias vezes ao dia, pois a cada vez que celebramos a liturgia durante o dia é sempre a memória da morte e ressurreição de Nosso Senhor que celebramos. Não só a liturgia, mas cada uma de nossas atividades e ocupações, em nossas escolhas e decisões, tudo deve estar marcado pela Páscoa, pois em tudo devemos buscar expressar nosso seguimento de Cristo, que compreende morte para cumprir a vontade de Deus, como ouvimos no Evangelho, e fazer frutificar a vida, a ressurreição.
Ao contrário do que podem pensar, nossa fé não está baseada na morte, não cultuamos a morte, mas a vida nova e eterna que surge através da morte. A morte, que em si não tem sentido, que só provoca dor e sombra, recebeu da morte e ressurreição de Cristo o seu sentido. Cristo venceu a morte e a transformou de fim em passagem, em páscoa. Aquele que está unido a Cristo pelo Batismo participa dessa passagem, não morre, mas entra na vida. Esta é a nossa fé: “espero a ressurreição dos mortos e a vida do mundo que há de vir”.
Ter a morte diariamente diante dos olhos, como diz São Bento, nos ajuda a perceber melhor o que é a vida e como a vivemos. Caso este fosse nosso último dia neste mundo, como nos comportaríamos? Quantas coisas que consideramos urgentes e essenciais perderiam a importância… e, ao contrário, quantas coisas que sempre deixamos para depois, que negligenciamos, ocupariam um lugar de destaque neste exato momento. Perceberíamos com mais clareza a urgência buscarmos as coisas do Reino de Deus, de confiar mais em Deus, de amar mais os outros, de nos preocuparmos menos com o que é passageiro e que ficará aqui quando morrermos.
Jó, na primeira leitura, proclama a sua fé em seu redentor, que está vivo e que ele encontrará além da morte, quando a sua carne mortal será desfeita em pó. Paulo, na carta aos Romanos nos convida à esperança no amor de Deus; a prova de que Deus nos ama é que Cristo morreu por nós quando ainda éramos pecadores. É a morte de Cristo que nos reconciliou com Deus e por isso não temos nada a temer. “O Senhor é minha luz e salvação; de quem eu terei medo? O Senhor é a proteção da minha vida; perante quem eu tremerei?”: assim canta o salmo 26.
Tudo isso é sintetizado na promessa de Jesus no Evangelho. Ele, que veio para realizar a vontade do Pai nos promete: “todos os que o Pai me confia virão a mim”, e nenhum desses que forem atraídos para Ele se perderão, mas ressuscitarão, terão vida eterna. De fato, diante da morte, não há o que temer se de fato estamos entregues nas mãos de Deus. Ter diariamente diante dos olhos a morte faz crescer em nós a confiança no amor misericordioso de Nosso Senhor, que nos ampara e sustenta.
Rezemos hoje por aqueles que partiram, para que encontrem o repouso e a paz em Deus, mas rezemos também por todos os que temem a morte, que não creem na vida eterna ou que não confiam na misericórdia de Deus, que é nosso Pai e nos que todos reunidos junto dele na glória eterna por Jesus Cristo, no Espírito Santo.
“Em Cristo brilhou para nós a esperança da feliz ressurreição. E, aos que a certeza da morte entristece, a promessa da imortalidade consola. Senhor, para os que crêem em vós, a vida não é tirada, mas transformada”. (Prefácio dos defuntos)