XXIII DOMINGO DO TC – A (Mt 18, 15-20)
D. Paulo DOMICIANO, OSB
No último domingo Jesus nos anunciou como podemos nos tornar seus discípulos: “Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga. Pois, quem quiser salvar a sua vida vai perdê-la; e quem perder a sua vida por causa de mim, vai encontrá-la”.
Saltando o capítulo 17 a liturgia deste domingo nos introduz no capítulo 18 do Evangelho de Mateus, que reúne várias instruções de Jesus à comunidade cristã, a comunidade dos seus discípulos. Hoje e no próximo domingo temos o tema do pecado e do perdão.
Os versículos que acabamos de ouvir insistem sobre a necessidade de reconciliação: “Se o teu irmão pecar contra ti, vai corrigi-lo, mas em particular, a sós contigo! Se ele te ouvir, tu ganhaste o teu irmão”. O pecado aqui não se limita a uma infração contra a lei, contra algum preceito da Igreja, mas algo que fere o outro, que rompe a comunhão. Infelizmente nós nos habituamos a considerar o pecado como algo estritamente privado, limitado às questões de consciência pessoal. Mas não, o pecado tem uma dimensão social, se assim podemos dizer, pois ele fere nossa comunhão com a comunidade, com a Igreja; somos um corpo e se um membro está enfermo, todo o corpo padece, nos diz São Paulo (cf. ICor 12,26).
Jesus ensina como proceder a uma correção fraterna em vista da reconciliação entre aqueles que estão em conflito, entre o ofensor e o ofendido, mas também a nível comunitário, quando um membro da comunidade, por seu pecado, contamina todo o corpo e se torna um motivo de escândalo para os demais, um obstáculo à vivência cristã e à fraternidade. Jesus nos mostra que a busca pela reconciliação e a salvação daquele que peca exige um sério empenho de toda a comunidade, exige a responsabilidade e a atenção de uns pelos outros. De fato, esse processo exige a conversão não apenas daquele que errou, mas de toda a comunidade: todos precisam se mover, renunciar a alguma coisa para poder reencontrar o caminho do perdão e da reconciliação; se não aceitamos perder algo, abrir mão de nossos pontos de vista enrijecidos, de nossos direitos, a paz nunca será possível.
As tensões, os conflitos, os desentendimentos, são inevitáveis em qualquer comunidade, em qualquer família, mas é preciso manter o firme desejo de comunhão, o desejo de edificar a fraternidade, a responsabilidade inteligente de cada um em relação a todos os demais membros, muitas vezes mais frágeis que nós. Quando acontece algum pecado que fere esta comunhão é preciso pedir a Deus a criatividade, a sabedoria, a paciência e, sobretudo, a misericórdia. Tudo isso é dom de Deus… de nossa parte, com nossas forças puramente humanas, a reconciliação e a paz não são possíveis, pois sempre vamos buscar a margem segura de nossas razões pessoais e de nossos direitos feridos para nos proteger.
Para avançar, para romper com a espiral da divisão, o Senhor nos aponta mais uma vez o caminho da oração como fonte de força para ultrapassarmos os nossos horizontes estreitos. “De novo, eu vos digo: se dois de vós estiverem de acordo na terra sobre qualquer coisa que quiserem pedir, isso lhes será concedido por meu Pai que está nos céus”. Todas as vezes que rezamos o Pai-nosso nós pedimos o dom do perdão e da reconciliação, que tem sua fonte no perdão e na misericórdia do próprio Deus: “perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido”. Esta oração é ao mesmo tempo uma súplica a Deus para que nos conceda a graça de sermos perdoados, assim como a graça de poder perdoar. É também um compromisso que firmamos diante de Deus: do mesmo modo que precisamos ser perdoados e somos perdoados por Ele, nos comprometemos a perdoar os que nos ofendem.
Sozinhos, portanto, somos incapazes de realizar o perdão e a reconciliação. Mas o Senhor nos garante que Ele mesmos está conosco, “pois, onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu estou aí, no meio deles”. Ele é a nossa reconciliação, a nossa paz, o sacramento da misericórdia do Pai. Unidos a Cristo somos capazes de perdoar, de construir uma comunidade fraterna que seja sinal visível do amor e da misericórdia de Deus entre os homens.
Que a Virgem Maria, a mãe de Misericórdia, interceda por nós e por todos os que sofrem por causa da divisão, da discórdia, do rancor, para que o desejo autêntico de reconciliação nos habite. Amém.