HOMILIA NA SOLENIDADE DE NPSBENTO (Mt 5,1-12a)

D. Paulo DOMICIANO, OSB

No Prólogo da Santa Regra, Nosso Pai São Bento, citando o Salmo 33, nos reproduz esta cena onde o Senhor, procurando o seu operário no meio da multidão, grita: “Qual é o homem que quer a vida e deseja ver dias felizes?” (cf. Pról. 15). Com isso, São Bento identifica o fim da vocação monástica e, na realidade, de toda vocação cristã, com esta felicidade que não é outra senão aquela proposta por Jesus nas Bem-aventuranças, que acabamos de ouvir. O Senhor nos chama à fé e ao mosteiro para sermos “felizes”, e nada menos que isso.

Diante deste apelo do Senhor nós somos livres. O convite que Deus nos dirige reclama uma resposta pessoal e livre. Por isso, seguindo o mesmo Salmo, São Bento continua: “Se, ouvindo, responderes: ‘Eu’, dir-te-á Deus: ‘Se queres possuir a verdadeira e perpétua vida, guarda a tua língua de dizer o mal e que teus lábios não profiram a falsidade, afasta-te do mal e faze o bem, procura a paz e segue-a’”. Tudo depende deste “ouvir”, já anunciado no início do Prólogo – “Escuta, filho”. A resposta só é possível se antes nós “ouvirmos” o apelo do Senhor. Ouvindo, portanto, somos capazes de dizer “Eu”. Assim, as condições para viver e ver os “dias felizes” estão intimamente relacionadas à nossa capacidade de ouvir bem a voz de Deus.

Guardar a língua, evitar o julgamento e a palavra falseada: é assim que alcançamos a capacidade de ouvir bem esta voz divina. Quanto desassossego é causado por esta incapacidade de silêncio físico e interior em nossa vida, essa incapacidade de ouvir Deus; quanto mal é causado e quanto mal provocamos por não nos privarmos dessa palavra que destrói… Contudo, não basta evitar a palavra má, não basta evitar as más atitudes, é preciso fazer o bem, agir, construir. O Salmo nos convida a procurar e seguir a paz, em toda ocasião possível, nos tornando artesãos de paz. A felicidade que o Senhor nos propõe, portanto, não é uma busca desenfreada por autorrealização egoísta, não está vinculada a ter todos os direitos reconhecidos, não é ter sucesso a todo o custo… A felicidade está em construirmos um ambiente de paz e de harmonia com os que vivem ao nosso redor, deixando de ser a própria referência e colocando Deus, que é o doador a paz e da felicidade, em primeiro lugar.

O caminho da felicidade proposto pelo Evangelho vai na contramão desse caminho de sucesso pessoal, que tantas vezes considera o outro como motivo da minha insatisfação e infelicidade. Jesus nos anuncia que os bem-aventurados são justamente os pobres em espírito, os aflitos, os mansos, os famintos e sedentos, os misericordiosos, os puros de coração, os construtores da paz, os perseguidos… São eles porque descobriram-se chamados pelo Senhor em meio a multidão anônima do mundo. Ouviram a voz deste Senhor que nos “procura”, que se interessa por nós, que conhece as nossas aflições e anseios mais profundos. Percebendo-se chamados, estes que são justamente os considerados infelizes, desgraçados, pelo mundo, descobrem a verdadeira vida feliz. Eles descobrem que não são coisas ou situações ideais que dão a felicidade, mas que a felicidade e a paz, têm um nome: Jesus Cristo. É Ele a nossa Paz, é Ele a nossa alegria.

Se somos chamados a ser felizes no mosteiro, ser felizes na vida cristã, porque então há tanta gente infeliz em nosso meio, tanta gente frustrada, tanta gente que vive sofrimentos inúteis? Se a busca por felicidade não está centrada em Deus, o centro passa a ser o “eu”, que não mede consequências para alcançar o seu objetivo egoísta. Assim, tornamos amarga a nossa vida e a dos outros.

Por isso São Bento, já no final da Regra, depois de um longo e amadurecido percurso, conclui que há um único caminho para ver e viver os dias felizes prometidos pelo Senhor: “nada absolutamente antepor a Cristo” (RB 72,11). Que este mesmo Senhor, que nos chamou e a quem respondemos nos eduque nessa escola e “nos conduza juntos para a vida eterna” (RB 72,12). Amém.

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