HOMILIA PARA A NOITE DE NATAL (Lc 2, 1-14)
D. Paulo DOMICIANO, OSB
Eis que o Senhor nos reune mais uma vez para meditarmos e vivermos o evento salvífico desta noite santa. Nós cremos em Jesus Cristo, que “por nós, homens, e para nossa salvação desceu dos céus. E encarnou pelo Espírito Santo, no seio da Virgem Maria e se fez homem”, e por isso estamos aqui celebrando o seu nascimento.
«Deus se manifestou nascendo – como diz São Gregório Nazienzeno (sermão 38) – a Palavra toma expressão, o invisível se faz visível, o inatingível se faz palpável, o intemporal entra no tempo, o Filho de Deus se torna Filho do Homem». E para garantir que isso não se trata de um conto, uma fábula ou um mito, Lucas nos traça as coordenadas históricas desse nascimento. É o tempo em que reinava o imperador César Augusto, enquanto Quirino governava a província da Síria, durante um ressenceamento, onde todos deviam registrar-se em sua cidade natal. É esse ressenceamento que permite a José deslocar-se com sua esposa grávida de Nazaré até Belém, a cidade de Davi, o rei e messias, a quem Deus havia prometido um descendente. É aí que Maria dá a luz ao seu filho, em um estábulo, único lugar disponível naquela noite. Contudo, é interessante notar que, na verdade, quem governa e dirige todos esses acontecimentos históricos não é o imperador César Augusto, mas Deus mesmo…
É também significativo que, diante deste nascimento, o anúncio da grande alegria seja dirigido a pastores, isto é, aos pobres, a estas pessoas que não têm nenhum protagonismo na história, na política ou na economia, que estão fora, inclusive, da vida religiosa do templo. A eles é revelada a alegria de Deus naquele nascimento, a eles é dito o amor de Deus que traz a paz. E esses pobres, a quem foi revelado o mistério escondido, obedecem e vão ver o que os anjos lhes anunciaram: uma mulher com seu marido e “um recém-nascido envolvido em faixas e deitado numa manjedoura”. Em sua pobreza os pastores compreendem que aquele não era um nascimento qualquer, ainda que fosse semelhante a todos os outros. Por isso eles glorificaram a Deus e comunicaram a todos este anúncio de grande alegria, como segue o Evangelho.
Um nascimento como tantos outros naquele ambiente de nômades, naqueles campos de pastores. Jesus nasce, vem ao mundo, como qualquer outro menino: frágil, pequeno, através das mãos de outros, envolvido em faixas. No entanto, é assim que aquele menino, desde o seu nascimento, nos fala de Deus. Segundo o anúncio dos anjos, esse modo de vir ao mundo “é um sinal”. Os eventos ordinários que constituem a vida humana e, dentre eles o mais elementar de todos, que é o nascimento, se tornam o lugar da manifestação de Deus, nos revelando seus traços, que agora são traços humanos. E a partir desta noite Deus só pode ser buscado e encontrado nestes sinais, na vida dos homens, em seu nascimento, em seu viver cotidiano, em seu crescer e morrer.
Infelizmente, ainda hoje, muitas vezes não nos aceitamos e não aceitamos os outros e por isso inventamos lugares e gestos onde encontrar e reconhecer a Deus, não acolhendo o mistério da humanização de Deus, este mistério que somente o cristianismo revela e proclama: Deus se fez homem, Deus-Conosco.
É a humanidade de Jesus que nos permite conhecer quem é Deus e é a humanidade de cada um de nós, a humanidade dos outros homens e mulheres, que nos revela a ação de Deus e seu amor por nós.
Nesta noite bendita, com toda a criação em adoração diante do Criador que se fez homem, com os anjos que cantam um hino de louvor e com os pobres pastores, que se calam estarrecidos. «Com eles – como nos convida o papa Francisco – permaneçamos diante do Menino, paremos em silêncio. Com eles agradeçamos o Senhor por nos haver dado Jesus e, com eles, deixemos subir do mais profundo de nosso coração o louvor por sua fidelidade : nós te bendizemos, Senhor todo Poderoso, que se abaixou por nós. Tu és imenso, e te fizestes pequeno ; Tu és rico e te fizestes pobre ; Tu és Todo-poderoso e te fizestes frágil » (papa Francisco).
Nesta noite, partilhemos a alegria do Evangelho : Deus nos ama, Ele nos ama tanto que nos deu o seu Filho como nosso irmão, como luz em nossas trevas. O Senhor nos repete : « Não temais » (Lc 2,10). Como os anjos disseram aos pastores, a José e à Maria : « Não temais ». E a nós também o Senhor repete : « Não temais ». Nosso Pai é paciente, Ele nos ama, Ele nos dá Jesus como luz que resplance nas nossas trevas para nos guiar pelo caminho até a terra prometida, como verdadeira coluna de fogo. Ele é a nossa paz. Amém.