HOMILIA NA SOLENIDADE DE N.SRA. APARECIDA (Jo 2, 1-11)
D.Paulo DOMICIANO, OSB
Toda a liturgia de hoje faz referência à linguagem nupcial. [Desde a antífona de entrada: “Com grande alegria rejubilo-me no Senhor, e minha alma exultará no meu Deus, pois me revestiu de justiça e salvação, como a noiva ornada de suas jóias”. A leitura do Livro de Ester: “Ester se revestiu de seus trajes reais e se apresentou na câmara interior do palácio”. O Salmo 44: “Em vestes vistosas ao rei se dirige”. E a leitura do Apocalipse: “Apareceu em seguida um grande sinal no céu: uma Mulher revestida do sol, a lua debaixo dos seus pés e na cabeça uma coroa de doze estrelas”.]
Mas é o Evangelho que nos introduz na cena de um casamento, em Caná da Galiléia. Contudo, não sabemos de quem é este casamento, quem são os noivos… O verdadeiro protagonista destas núpcias é Jesus. Além dele, temos sua mãe, os discípulos e os servos, que também aparecem em relação a Jesus. Sendo assim, o Evangelho de João pretende nos mostrar que Jesus, tendo reunido a comunidade dos discípulos, (chamados no capítulo anterior), celebra as suas núpcias com eles, que representam a Igreja, a esposa da nova aliança.
O início do Ev de João é como um novo Genesis e segundo a sua cronologia, este é o sexto dia desta semana inaugural do ministério de Jesus; no Genesis o sexto dia é o dia da criação do homem e da mulher. E é significativo que a mãe de Jesus venha sempre chamada de “mulher”, como a nova Eva, figura da Igreja, enquanto Ele representa o novo Adão.
João diz que “a mãe de Jesus já estava lá”. Ela antecede a Jesus e aos discípulos convidados para estas núpcias. Já está lá porque é “a filha de Sião”, a figura de Israel que aguarda a hora do Messias e, significativamente, está lá “no início dos sinais de Jesus”, como estará também lá aos pés da cruz, no cumprimento de todos os sinais realizados por Ele.
Quando percebe a falta de vinho na festa, Maria novamente se antecipa e intervém junto a seu filho dizendo: “Eles não têm mais vinho”. Como sabemos, nas Escrituras o vinho é símbolo da promessa de Deus, dom da alegria a seu povo; é símbolo da celebração do amor no Cântico dos Cânticos e no banquete escatológico sela a comunhão entre Deus e os eleitos. É ainda sinal da gratuidade, da abundância e, por isso, na última ceia, Jesus nos deixa como memorial o pão necessário ao sustento e o vinho gratuito, porque o homem deve sempre provar de um e outro, sentir-se criatura necessitada, mas também capaz de gratuidade, de beleza, de festa.
Se não há vinho, não há núpcias, não há alegria, e por isso a mãe de Jesus intervém. A resposta é enigmática: “Mulher, por que dizes isto a mim? Minha hora ainda não chegou”. Só compete ao Pai determinar “a sua hora”. Por isso Maria, como primeira discípula, se submete ao querer soberano do Pai e obedece ao Filho, pedindo que todos façam o mesmo: “Fazei o que ele vos disser!”.
A água que é apresentada a Jesus, usada para a purificação, ou seja, sinal da Antiga aliança, se torna a bebida messiânica da Nova Aliança. O mestre-sala não sabe de onde vem aquele vinho novo, mas os servos, aqueles “pequeninos” que obedeceram às palavras de Jesus, assim como Maria, sabem que aquele vinho messiânico vem Dele. Assim, eles e os discípulos creram. Deste modo, com o sinal que realiza, Jesus antecipa a sua hora, que se concretizará na cruz, quando ele celebrará as núpcias de sangue. O sinal de Caná simboliza a aliança entre Jesus e a sua Igreja, aliança que se consumará na cruz, não com vinho, mas com seu sangue.
As núpcias de Caná nos fazem recordar ainda que somente os que se fazem obedientes, como Maria, somente os pequenos, como estes servos que apresentam suas talhas de água, são capazes de compreender o mistério do Reino, entrando na Aliança nova oferecida por Jesus. A nossa Mãe Aparecida quer nos lembrar isso também. Através daqueles simples pescadores se manifestou a abundância messiânica com sua pesca milagrosa depois de terem recolhido a pobre imagem de barro em sua barca. Como em Caná, quando consideramos o pedido da Mãe de Jesus: “Fazei tudo o que ele vos disser”, apresentando nossos limites, nossa pobreza diante dele, Ele manifesta sua abundante generosidade em nossa vida.
Que a Virgem Aparecida guie e proteja nosso povo brasileiro, tão carente do alimento que sacia e do vinho que dá alegria verdadeira e duradoura. Que ela nos introduza sempre nesta festa da qual ela mesma tomou parte, a festa da Eucaristia, onde Cristo, pão da vida, nos alimenta e nos sacia com o vinho das núpcias, seu próprio sangue derramado por nós.