D. Paulo DOMICIANO, OSB
No Evangelho deste domingo, prosseguindo sua viagem rumo a Jerusalém, Jesus se encontra com um homem, no meio da multidão, que lhe pede para intervir sobre um caso de divisão de herança entre ele e seu irmão. Diante deste pedido, que mais parece uma ordem, Jesus rebate: “Homem, quem me encarregou de julgar ou de dividir vossos bens?” A resposta um tanto ríspida por parte de Jesus nos revela que talvez Ele tenha percebido a verdadeira intenção do coração daquele sujeito. Parece que o que o movia não era a simples reivindicação por justiça em relação a seu irmão, mas a sua ganância e a avidez por riquezas.
Jesus sabe que a cobiça e a ganância, presentes no coração humano, acabam alimentando os conflitos, cegando nossos olhos e impedindo-nos de ver o outro como próximo, como irmão. É por isso que Ele prossegue dizendo: “Atenção! Tomai cuidado contra todo tipo de ganância, porque, mesmo que alguém tenha muitas coisas, a vida de um homem não consiste na abundância de bens”. É uma advertência à vigilância para que a sedução das posses e dos bens, que facilmente se tornam verdadeiros ídolos, não impeçam ao crente não só o verdadeiro e autêntico reconhecimento de Deus, mas também uma vida plenamente humana. Isso porque nós humanos facilmente caímos na ilusão de pensar que a plenitude da vida nos vem daquilo que possuímos, do dinheiro, das propriedades, do conforto, e não daquilo que realmente nós somos.
Jesus evita uma resposta direta ao problema apresentado, propondo, como é seu costume, uma parábola como resposta. Ele faz assim para ajudar aquele homem e, consequentemente a todos nós, a tirar a atenção daquilo que é superficial na problemática apresentada e ir á raiz do problema.
O homem da parábola é um rico proprietário de terras, cuja lavoura prospera de modo extraordinário. Diante de tanta abundância o único problema que lhe aflige é: “Não tenho onde guardar minha colheita”. Ele começa a pensar em um modo para poder acumular mais e desfrutar de sua riqueza, decidindo demolir seus velhos armazéns e construir novos, maiores, para estocar sua colheita e seus bens. Ele está realmente muito satisfeito consigo mesmo! Está seguro de si, ao ponto de poder dizer: “Meu caro, tu tens uma boa reserva para muitos anos. Descansa, come, bebe, aproveita!” De fato, este é um programa de vida de dar inveja em muitos de nosso tempo. Contudo, neste projeto de vida, o “eu” é o único sujeito da história. Não há a experiência do “nosso”.
O homem da parábola, este anônimo que pode ser aquele que aborda Jesus pedindo ajuda para a divisão de sua herança, e pode ser cada um de nós também, é rico, mas só de coisas; ele é pobre de relações, pois não há ninguém a seu lado com quem ele possa partilhar os seus projetos ou para desfrutar com ele das suas riquezas. Toda a sua preocupação está centrada nele mesmo e naquilo que ele possui: minha colheita, meus celeiros, meu trigo, meus bens. Para levar adiante o seu projeto ele ignora até mesmo a necessidade de ajuda de alguém, pois crê que pode fazer tudo sozinho: vou derrubar meus celeiros, vou fazer maiores, vou guardar todo o meu trigo.
O egoísmo e a autossuficiência deste homem nos parecem absurdos… Mas, na verdade, esse programa de vida não nos é estranho. Quantos de nós e quantos de nossos contemporâneos vivem – ou morrem! – para isso, para acumular riquezas e conforto, como forma de segurança e de felicidade? Mas podemos pensar: eu sou pobre, não tenho essas preocupações… Contudo, nos lamentamos por não ter a abundância de bens e até mesmo invejamos os que tem. Parece que para nosso personagem da parábola a possibilidade de dividir e partilhar a abundância da colheita ou dos bens acumulados é logo descartada. A única solução que lhe vem à mente é aumentar o celeiro… Este homem, presente também em nós, visa somente o próprio bem, em uma solidão que nem ele mesmo percebe, encastelado em sua própria riqueza, isolado do mundo e dos outros, perdendo assim, a capacidade mais característica do ser humano, que é a capacidade de estar em relação.
Contudo, a parábola propõe uma reviravolta nesse projeto, aparentemente, tão perfeito. “Mas Deus lhe disse: ‘Louco! Ainda esta noite, pedirão de volta a tua vida. E para quem ficará o que tu acumulaste?’” A riqueza deste homem se conjuga com a loucura, a insensatez, camuflando a dolorosa falta de inteligência e sabedoria e o vazio desolador vivido por ele. Sua ganância lhe fechou os olhos para o horizonte interior e existencial, fechando-o em seu próprio ego: ele enriquece para si, esquecendo-se de Deus e dos irmãos. Tudo isso é vaidade e grande desgraça, como ouvimos do Livro do Eclesiastes (cf. Ecl 2,21).Na verdade, a morte que nos espera a todos, que faz parte de nossa vida, revela o limite dos nossos projetos, de nossos sonhos de poder, de prazer, e reconduz cada um de nós à realidade e à consciência da fragilidade humana. Tendo presente o horizonte da nossa própria morte diante dos olhos, como nos exorta S.Bento no cap. 4 da RB, somos levados a nos interrogar profundamente: em que consiste a vida, a minha vida? Onde encontro o sentido da fragilidade e onde busco segurança e salvação? Ouçamos a exortação que São Paulo nos faz hoje: “Se ressuscitastes com Cristo, esforçai-vos por alcançar as coisas do alto, onde está Cristo, sentado à direita de Deus; aspirai às coisas celestes e não às coisas terrestres. Pois vós morrestes, e a vossa vida está escondida, com Cristo, em Deus” (Col 3, 1-3).