Solenidade de Nosso Pai São Bento
Pr 2, 1-9; Rm 8, 14-17; Mt 5, 1-12a
11 de julho de 2022
Todas as leituras desta liturgia para a Solenidade de São Bento falam de uma experiência possível de plenitude de vida.
O livro de Provérbios multiplica o “se”: “… se suplicares a inteligência e pedires em voz alta a prudência; se andares à sua procura como ao dinheiro, e te lançares no seu encalço como a um tesouro…” (Pv 2, 3-4). Os pais que amam seus filhos não têm medo dessa linguagem, porque a linguagem da educação, é uma linguagem que oferece à liberdade do outro um caminho, uma experiência, para que o outro possa escolher e decidir um compromisso em relação à sede de seu coração, ao verdadeiro desejo de sua alma. Não é como quando os adolescentes são ameaçados: “se você não estudar, terá uma nota ruim, terá que repetir o ano, não poderá se tornar médico ou advogado e ter sucesso em sua vida…”, embora isso também seja justificável e estimule a responsabilidade. Mas o autor de Provérbios, assim como São Paulo e São Bento, e sobretudo Jesus, todos têm uma preocupação muito mais profunda e fundamental pela nossa humanidade, pela nossa liberdade e pelo nosso coração: que a nossa liberdade escolha um sentido que conduza a vida à sua plenitude, ao seu verdadeiro propósito e, portanto, à sua verdadeira felicidade.
Mas São Bento também sabe que este “tesouro” que o coração humano procura, foi ele mesmo que antes procurou o coração do homem, foi ele que veio ao encontro da busca e da sede de todos os corações. Tudo o que nosso coração busca já nos foi dado, e isso muda totalmente a busca, ou pelo menos o seu método. Doravante, procurar significa deixar-se encontrar. Não é mais o tesouro que está escondido, mas nós que estamos escondidos no tesouro. Nossa busca de Deus consiste em nos deixar encontrar por Aquele que já está conosco.
É este mistério que encontramos ilustrado na leitura da Carta aos Romanos e no Evangelho desta Solenidade. São Paulo nos lembra a respeito do Espírito Santo: “vós recebestes um Espírito de filhos adotivos, no qual todos nós clamamos: Abbá, ó Pai! O próprio Espírito se une ao nosso espírito para nos atestar que somos filhos de Deus” (Rm 8, 15b-16).
Nosso coração de batizados não precisa mais obter o dom do Espírito, não é preciso evocá-lo como “um espírito de escravos” que nos faz recair no medo (cf. Rm 8, 15a). Nosso coração deve permitir que sua presença, que já nos foi dada, se expresse nele, assim como se expressava em Jesus, clamando em Sua filial confiança “Abá, Pai!”
Assim, o Filho, o Verbo do Pai, não esperou que o chamássemos, nem que o procurássemos: Ele veio ao nosso encontro.
A abertura do Evangelho das Bem-aventuranças é uma encenação solene deste mistério, um resumo sintético do acontecimento cristão: “vendo Jesus as multidões, subiu ao monte e sentou-se. Os discípulos aproximaram-se, e Jesus começou a ensiná-los: ‘Bem-aventurados os pobres em espírito’” (Mt 5, 1-3a; “espírito” aqui pode muito bem ser traduzido como “coração”, pois trata-se do lugar que, para o homem bíblico, se manifestam o conhecimento e a vontade) .
Tudo começa com o olhar que o Deus de misericórdia lança sobre a humanidade confusa e dispersa: Ele se manifesta, Ele sobe uma montanha para ser visto por todos; e ali Ele se senta, ali Ele fica, Ele não se afasta, Ele espera. Os discípulos se aproximam, reconhecem que o Tesouro procurado está ali, para eles e para as multidões, para todos. Assim Jesus se doa, abre a boca, fala e ensina, dá a si mesmo como Palavra de Deus que abre o Coração para se comunicar com os corações humanos.
Tudo em Jesus vai ao encontro do pobre coração do homem: seu olhar, seus passos, seus gestos, sua boca, a palavra de verdade que está n’Ele. Tudo em Jesus vai para o coração sedento e pobre do ser humano para lhe dar alegria, a boa alegria da bem-aventurança, que é a alegria do Reino dos Céus, a alegria do Espírito Santo que une o Filho ao Pai, que em seu coração grita “Abba!” para nós e em nós desde a eternidade.
Quando ouvimos as Bem-aventuranças, nunca devemos desvinculá-las de sua introdução, porque ela nos mostra que cada Bem-aventurança descreve a Palavra de Deus que sai ao encontro do homem dar plenitude à sua vida. Jesus vai ao encontro dos pobres de espírito, dos que choram, dos que têm fome e sede de justiça, dos misericordiosos, dos puros de coração, dos pacificadores, dos perseguidos por causa da justiça, dos insultados, daqueles de quem todos falsamente dizem todo tipo de mal… Jesus vai ao encontro de toda experiência humana que busca um bom sentido para a própria vida pessoal e para o mundo. Jesus abraça cada experiência humana, e a enche de Si mesmo, de Sua presença, de seu Espírito, de sua alegria , de sua vida de Filho de Deus Pai. E tudo o que parecia negativo, doloroso, perdido, torna-se um espaço privilegiado de encontro e de comunhão com o Filho do Pai no Espírito. Como diria São Bento, o coração do pobre “se dilata” (RB Prol. 49) ao encontrar o Senhor, e conhece uma alegria que já não é só humana – a falsa alegria de querer satisfazer, consolar e até salvar por suas próprias forças – mas a alegria de ser preenchido, consolado e salvo por Deus.
Salve Nosso Pai São Bento!
Dom Martinho do Carmo, osb