HOMILIA DO V DOMINGO DA QUARESMA – C (Jo 8,1-11) / 2022

D. Paulo DOMICIANO, OSB

Nosso itinerário de Quaresma sobre a misericórdia alcança neste domingo o seu ponto mais alto com esta página admirável do Evangelho que, mesmo estando no Evangelho de João, conserva todo o colorido do estilo de Lucas, que enfoca mais amplamente a misericórdia de Jesus.

Jesus está no templo ensinando e então chegam seus adversários, mestres da Lei e fariseus, trazendo “uma mulher surpreendida em adultério”. Dessa vez, eles não apresentam uma sentença da Lei para que Jesus interprete, mas sim um caso prático e específico, para que Ele dê seu parecer sobre a aplicação da Lei de Moisés.

Os acusadores apresentam a mulher e dizem: “Moisés na Lei mandou apedrejar tais mulheres. Que dizes tu?” Mas aqui é importante notar que a declaração está incompleta. De fato, a Lei previa a morte por adultério, mas para ambos os adúlteros (cf. Lv 20,10 e Dt 22,22). Então, onde está o homem adúltero, tão culpado quanto a mulher? Com isso nos damos conta, como o próprio Evangelho nos adverte, que a preocupação dos zelosos mestres e fariseus não era a observância da Lei, mas queriam encontrar um motivo para acusar Jesus.

A situação é delicada: se não confirma a condenação e a execução da mulher, será acusado como transgressor da Lei e blasfemo, por declarar a Lei como injusta; se, ao contrário, diz que a Lei deve ser aplicada, por que então continua a acolher os pecadores e comer com eles?

Jesus não aceita assumir o papel de juiz. Como dirá mais adiante: “Vós julgais segundo critérios humanos; eu não julgo ninguém” (Jo 8, 15). Sua resposta é um gesto: em silêncio, Jesus se abaixa, se colocando em uma posição inferior à da mulher, que continua ali, de pé e em silêncio também, e começa a escrever com o dedo no chão. É uma atitude desconcertante. Ele deixa de lado os homens da Lei e desce até a altura da humilhação daquela mulher, tratada ali como peça de um jogo perverso. Aquela que eles buscam matar, Jesus deseja salvar.

Mas o que significa este gesto de Jesus? Ele escreve os pecados dos acusadores? Escreve frases bíblicas? Ou somente rabisca o chão, aleatoriamente, somente dando tempo para encontrar uma resposta? O fato é que muitos já tentaram dar uma explicação para este gesto misterioso de Jesus. A este propósito, eu gostaria de partilhar um pensamento do monge Enzo Bianchi: “Creio que de um lado devemos ver os escribas e fariseus, que lembram a Lei esculpida em tábuas de pedra; de outro lado, Jesus que, escrevendo no chão – na terra de que fomos feitos, nós os filhos de Adão, “o terrestre” (cf. Gn 2,7) – nos indica que a Lei deve ser inscrita em nossa carne, nas nossa vidas marcadas pela fragilidade e pelo pecado. Não é por acaso que Jesus escreve “com o dedo”, assim como a Lei de Moisés foi escrita na pedra ‘pelo dedo de Deus’ (cf. Ex 31,18; Dt 9,10) e foi reescrita depois da infidelidade idólatra do bezerro de ouro e da ruptura da Aliança (Cf. Ex 34,28)”.

A Lei de Moisés foi escrita na pedra para recordar ao homem a fidelidade de Deus, mas por fim, acabaram ficando com a dureza da pedra e deixando de lado o verdadeiro mandamento, que é Amar. Jesus, ao contrário, quer escrever a sua Lei na terra de nosso coração; nesse coração novo de que fala o profeta Ezequiel; um coração de carne, não de pedra, onde a Lei do Senhor se grava com o fogo de seu Espírito (cf. Ez 36, 26).

Mas os acusadores insistem em obter uma resposta. Então Jesus se levanta, e pronuncia uma palavra mais desconcertante que o seu gesto: “Quem dentre vós não tiver pecado, seja o primeiro a atirar-lhe uma pedra”. De fato, a Lei previa que os primeiros a lançar as pedras deveriam ser as testemunhas, mas estas deveriam ser verdadeiras e sem pecado. “Que a pecadora seja punida – escreve Sto. Agostinho – mas não por pecadores; que a Lei seja cumprida, mas não por transgressores”.

Jesus sim, poderia acusá-la e lançar uma pedra, mas ele decide por um outro caminho: o caminho novo da misericórdia. Esta é a novidade de que fala o profeta Isaías na primeira leitura: “Eis que eu farei coisas novas, e que já estão surgindo: acaso não as reconheceis? Pois abrirei uma estrada no deserto e farei correr rios na terra seca”. A palavra de Jesus é eficaz, pois eles, “ouvindo o que Jesus falou, foram saindo um a um, a começar pelos mais velhos”. Como bem sabemos por experiência própria, quanto mais avançamos em idade, mais numerosos são os pecados cometidos… mas, infelizmente, isso não nos impede muitas vezes de sermos duros e inflexíveis em relação às faltas dos outros.

Todos partem e então temos Jesus, de pé, sozinho com ela, face-à-face, como no início da Criação com a primeira Eva. “Sobraram somente os dois, a miséria e a misericórdia”, diz ainda Sto. Agostinho, e o diálogo se restabelece: “Mulher, onde estão eles? Ninguém te condenou?’ – ‘Ninguém, Senhor’.” Chamando-a “mulher”, Jesus reconhece a sua identidade de ser humano, alguém capaz de falar e com direito de ser ouvida. Ela, por sua vez, o chama “Senhor (Kyrios)”, fazendo, assim, uma confissão de fé.

Aquele que estava ali para julgá-la lhe oferece agora o perdão, lhe devolvendo a possibilidade de uma vida nova: “Eu também não te condeno. Podes ir, e de agora em diante não peques mais”. Jesus lhe dá a possibilidade de, livre, se lançar para frente, como diz São Paulo, para a meta, para o prêmio, “que do alto, Deus me chama a receber em Cristo Jesus” (Fl 3,14).

De fato, meus irmãos, o perdão que Cristo nos oferece, nos faz novas criaturas, experimentando “a força da sua ressurreição” (Fl 3,10) e podendo cantar com o salmista a plenos pulmões: “Maravilhas fez conosco o Senhor!” (Sl 125). Mas só pode fazer esta experiência aquele que reconhece o seu pecado, a sua condição de miserável, e aceita ser coberto pela ternura do abraço de Deus, que nos perdoa e nos devolve a liberdade.

Oxalá, que nestes dias santos, que antecedem a Santa Páscoa, onde somos convidados a percorrer este caminho novo que o Senhor abre diante de nós – o caminho do perdão e da misericórdia – possamos fazer esta experiência renovadora através do Sacramento da reconciliação. Ouçamos a exortação de São Paulo: “deixai-vos reconciliar com Deus” (2Cor 5,20) para que retornemos à nossa liberdade e dignidade de filhos de Deus.

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