Homilia para o 21º Domingo do Tempo Comum – Ano B,
proferida a 22 de agosto de 2021
por Dom Martinho do Carmo OSB

Js 24,1-2a.15-17.18b; Sl 33; Ef 5,21-32; Jo 6,60-69

“Entre vós” (Jo 6,64)

Esta palavra é dura. Quem consegue escutá-la?” Caros irmãos e irmãs, Jesus hoje no evangelho enfrenta uma forte oposição, e constata que, entre aqueles que o seguem “há alguns que não creem”.

Os Doze – o grupo de amigos íntimos – eles também, sem dúvida, ficaram escandalizados com aqueles duras palavras, e então Jesus lhes coloca contra a parede: “Vós também vos quereis ir embora?” Apesar da bela declaração de Pedro, Jesus sabia muito bem “quem havia de entregá-lo”. É o que ele especifica nas linhas que seguem a este texto: “‘Não fui eu que vos escolhi, os Doze? No entanto, um de vós é diabo’. Fala de Judas, filho de Simão Iscariotes. Este, um dos Doze, o haveria de entregar” (Jo 6,70).

Obra do diabo?

Os apóstolos aprendem, assim, que terão que conviver diariamente com um traidor cujo nome eles ainda nem sabem. Jesus lhes diz que o “diabo” não está apenas do lado de fora, mas também está entre eles. E Jesus – vejam só! – queria isso desde o início. Ele “escolheu” Judas assim como os outros onze e, no entanto, sabia que suas intenções eram demoníacas, pois disse “Não fui eu que vos escolhi, os Doze? No entanto, um de vós é diabo”.

Aos olhos dos apóstolos, o espírito que levou Judas a seguir Jesus só será plenamente revelado no dia da Paixão. Antes desse dia, os outros Onze apóstolos certamente puderam constatar que Judas gostava de dinheiro, pois vigiava até com excessivo zelo o caixa comum. Mas, fora isso, nada o diferenciava dos outros, porque Jesus parecia realmente considerá-lo um de seus íntimos. Quando Jesus enviou seus apóstolos dois a dois para curar enfermos e expulsar demônios, Judas fazia parte do grupo. Quando Jesus os ensinou a rezar, quando lhes explicou o significado das parábolas, Judas estava entre os doze. Até mesmo na Quinta-feira Santa, Jesus lavou os pés de Judas e deu-lhe “sua carne para comer e seu sangue para beber”. Foi preciso que Judas fizesse um pacto, contra Jesus, com os Sumos Sacerdotes e os Chefes do povo para que os outros Onze apóstolos se dessem conta do que Jesus previu desde o início: Judas só seguiu Jesus por gosto do poder e por amor ao dinheiro.

A imagem da perversão

Caros irmãos e irmãs, o que é diabólico não é querer seguir Jesus até a morte, mas abandoná-lo no meio do caminho, como Pedro fez na Sexta-Feira Santa e como todos nós, vez ou outra, infelizmente fazemos. Porque as lágrimas de Pedro, após sua negação, mostram que ele não o fez, mas realmente queria segui-lo até o fim. O que é realmente demoníaco é viver de aparência: é agir como se quiséssemos seguir Jesus quando, na verdade, não queremos viver de seu Espírito, não queremos assumir diariamente os compromissos de nosso Batismo, que incluem a renúncia à Satanás e às suas obras. [Na verdade, o diabo faz pouca coisa em nossas vidas; nós é que fazemos muito por Satanás…]. Judas pretendia servir Jesus quando, no fundo, o servia-se dele para poder pactuar contra ele com os poderosos deste mundo. Por isso, podemos dizer que Judas é a imagem da perversão.

Quando olhamos para a história da Igreja, vemos que muitos clérigos e leigos fingiram querer seguir Jesus quando, na verdade, seu desejo estava em outro lugar. Vem-nos à mente que eles não eram fiéis ao que originalmente era praticado por Jesus e seus discípulos. E essa “decepção” nos faz sonhar, algumas vezes, com uma Igreja que retorne a uma suposta pureza de origens. Mas deixamos de considerar que Jesus, desde o início, quis aceitar o inimigo entre os seus mais íntimos.

O combate contra o diabo e o amor aos inimigos.

Mas, por que Jesus escolheu Judas, se ele conhecia sua perversão? Infelizmente, o Evangelho não nos responde. Talvez simplesmente porque Jesus era realista: ele sabia que a perversão existe nesta terra e a Igreja de Jesus Cristo também está nesta terra. Ela não é exceção. Entretanto, a Igreja poderia se perder se ficar contente apenas em constatar sem combater contra o diabo que está em seu meio. Jesus chamou Judas da mesma forma que chamou os outros onze. Mas ele também combateu a perversidade e a perversão com as mesmas armas que ofereceu aos seus discípulos: “Amai os vossos inimigos e rezai por aqueles que vos perseguem!” (Mt 5,44), “Amai os vossos inimigos e fazei o bem aos que vos odeiam” (Lc 6,27).

Ora, é muito mais fácil amar o inimigo quando ele está fora de nosso círculo de entes queridos do que se ele fizer parte dele. Mas é para esse amor ao inimigo interior que Jesus nos chama. Para Jesus, Judas continua sendo um dos seus amigos, pois lhe ofereceu o pão e o vinho da Eucaristia – o Sacramento do amor! –, mesmo sabendo que já não se podia mais encontrar nele nada de amável. Disto podemos constatar que amar o inimigo é (1) não pactuar com ele, ou seja, lutar incessantemente para que, na Igreja, o Espírito de Jesus domine, (2) mas é também aceitar que, em nosso meio, homens e mulheres, sejam clérigos ou leigos, afirmem viver no Espírito de Deus quando, infelizmente, o que fazem é pervertê-lo radicalmente. E não é preciso ir muito longe ou esperar muito tempo para ter uma chance de viver plenamente essa realidade do Evangelho: que Deus nos proteja, mas podemos encontrar isso em nosso ambiente de trabalho, de estudo, numa comunidade religiosa, entre nossos familiares, e até mesmo dentro de nossas casas… “Esta palavra é dura…” mas é verdadeira. O diabo não está apenas no mundo, fora de uma Igreja e de seus membros que seriam supostamente puros. O inimigo também está dentro. Isso certamente foi uma grande provação para Jesus! Mas agora, ao saber que este escândalo do conhecimento da presença do diabo, e o mandamento de amor aos inimigos, fazem parte da vontade do próprio Deus, vamos embora da Igreja, de nossa comunidade, de nossa família? Bom, Jesus nos deixa livres. Mas, acima de tudo, peçamos hoje a Deus que esta Eucaristia nos ensine e nos dê forças para viver radicalmente o Evangelho, para que estejamos entre aqueles que lhe respondem a Jesus: “A quem iremos, Senhor? Só tu tens palavras de vida eterna!”

Amém!


Após a comunhão

Caros irmãos e irmãs, desde o início da quarentena na Itália, quando a missa no Vaticano era celebrada sem a participação dos fiéis, o Papa Francisco sempre convidava àqueles que não podiam comungar sacramentalmente a fazer a Comunhão espiritual com a seguinte oração:

Meu Jesus, eu creio que estais presente no Santíssimo Sacramento do Altar. Amo-vos sobre todas as coisas, e minha alma suspira por Vós. Mas, como não posso receber-Vos agora no Santíssimo Sacramento, vinde, ao menos espiritualmente, a meu coração. Abraço-me convosco como se já estivésseis comigo: uno-me Convosco inteiramente. Ah! não permitais que torne a separar-me de Vós!

Papa Francisco

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