Homilia para a Solenidade da Transfiguração do Senhor – Ano B,
proferida a 6 de agosto de 2021
por Dom Martinho do Carmo OSB
Dn 7,9-10.13-14; Sl 96; Mc 9,2-10
Jesus sobe uma alta montanha. Ele a sobe para encontrar o Altíssimo. O Filho sobe para onde reside a glória oculta do Pai, que em breve será revelada a Pedro, Tiago e João. O ápice da ascensão é o próprio Jesus transfigurado perante seus discípulos, é o esplendor de sua glória manifestada aos homens que anuncia a sua ressurreição, e a nossa ressurreição. A fonte divina e eterna se revela para mostrar que a dor da cruz não prevalecerá, mas que, ao contrário, nossa condição de pecador também está destinada à transfiguração com o Cristo. E como Jesus poderia mostrar-nos isso, senão por uma atitude de oração? É verdade que apenas o Evangelho de São Lucas cita esta oração de Jesus, mas, mesmo que os outros evangelistas não mencionem este detalhe, parece-me perfeitamente legítimo supor que foi assim mesmo que aconteceu.
Uma oração tão intensa, da parte de Jesus, que faz com que o Pai revele sua face através de seu Filho e peça aos homens que o escutem. Mateus diz que “seu rosto brilhou como o sol” (Mt 17,2), Marcos conta que “suas roupas ficaram brilhantes” (Mc 9,3) e Lucas precisa que “seu rosto mudou de aparência e sua roupa ficou muito branca e brilhante” (Lc 9,29). Sinais de que a oração de Jesus revela sua vida de intimidade com o Pai, a quem o Cristo permite ver através de seu rosto resplandecente, e ouvir por meio da voz do Pai: “Este é o meu filho amado. Escutai o que ele diz!” (Mc 9,7). Eis a luminosa visão da glória de Deus que se manifesta, eis o som da palavra imperativa que faz ouvir! Visão e audição que nos anunciam Aquele que “como luz brilha nas trevas para os justos” (Sl 111,4). Por meio de sua oração, Jesus nos revela tanto a sua glória quanto a glória que receberemos no último dia.
Uma oração tão poderosa que convoca a Lei e os profetas: Moisés cujo rosto brilhava de glória após descer do Sinai (Ex 34,29-35; 2Cor 3,7-11); Elias que foi elevado ao céu em uma carruagem de fogo (2Rs 2,11-12). Uma oração tão atraente que Pedro, Tiago e João foram encobertos com a nuvem, simbolizando o primeiro passo para a glória futura. Jesus está com eles assim como está com Moisés e Elias, assim como está com o Pai, assim como está conosco hoje no mistério de sua glória que é eterna, e permeia do início ao fim dos tempos.
Com sua Transfiguração, o Senhor nos convida não tanto a imaginar, a especular sobre este fenômeno do qual nos fala o evangelista, mas a deixá-Lo transfigurar nossas vidas. “Quando Jesus entra em uma vida, ele a transfigura, ele a deifica por meio da fulgurante luz de seu rosto”, disse o cardeal Robert Sarah (Cardinal Robert SARAH avec Nicolas DIAT, La force du silence, Contre la dicature du bruit, Fayard, 2016). [1]
Como? Talvez, o brilho de um sorriso em meio às lágrimas de um arrependimento. Ou a contemplação de uma vida desordenada que muda após ser transfigurada pela misericórdia do Senhor. Ou aquela doce palavra que revela o amor de Deus e a fraternidade dos irmãos, confirmando-nos que, apesar de tudo, a vida ainda é bela. Ou ainda o calor do perdão que irrompem como chamas em meio à escuridão. Caros irmãos e irmãs, uma vida de esperança é sempre mais forte do que a morte. Nos tempos em que vivemos, é bem provável que tenhamos, muito perto de nós, um ente querido que faleceu, mas que sabemos que, pela fé, ele vive junto de Deus. Um gesto de consolo, uma palavra de reconciliação, um olhar de compaixão, um silêncio de apaziguamento: tudo isso é o Senhor passando e transfigurando nossas vidas. Qualquer que seja a nossa história e a nossa natureza, conforme seu perdão e sua misericórdia, o Senhor as transfigura.
A oração da Transfiguração manifesta Jesus Cristo como a fonte e o fim de nossa vida espiritual, como a fonte de toda luz, como o Alfa e o Ômega. Ele é o sol da glória divina de onde surge a luz de Deus. Deus disse: “Faça-se a luz!”, e então o Espírito de Cristo ilumina toda a criação com sua luz eterna.
Falando da Transfiguração, o teólogo Romano Guardini escreveu estas palavras:
“O que aqui se manifesta não é apenas o esplendor do espírito puro, mas também o esplendor do corpo por meio do espírito que está no corpo, que está no homem. Não é apenas a grandeza de Deus, com o céu que se abre, mas o esplendor do Verbo divino que está no Filho do homem. É o arco de fogo; a realidade única e inexprimível; a Vida que está acima da vida e da morte. É a vida do corpo, mas emanando do espírito; é a vida do espírito, mas emanando do Verbo; é a vida do homem Jesus, mas emanando do Filho de Deus[2]”.
Caríssimos irmãos e irmãs, peçamos, pois, ao Senhor que a luz de sua Transfiguração ilumine o caminho da nossa conversão, e nos dê seu fôlego para subir a montanha e tocar a “fonte e centro de toda a vida cristã[3]”: a sua Eucaristia.
Quanto a nós, escutemo-lo, pois ele ouve nossas orações e as responde. Ouçamo- lo, pois ele nos fala e a sua Palavra certamente nos transfigurará.
[1] Cardinal Robert SARAH avec Nicolas DIAT, La force du silence, Contre la dicature du bruit, Fayard, 2016.
[2] Romano GUARDINI, Le Seigneur, Méditations sur la personne et la vie de Jésus-Christ, t. I, Éditions Alsatia, Paris, 1946, p. 267-268.
[3] Santo Ambrósio, Comentário sobre o Salmo 118, (Sermo 18, 26: PL 15, 1537), Terceira leitura do Ofício Monástico de Vigílias do 18º Domingo do Tempo Comum ano B.
Amém!
Após a comunhão
Caros irmãos e irmãs, desde o início da quarentena na Itália, quando a missa no Vaticano era celebrada sem a participação dos fiéis, o Papa Francisco sempre convidava àqueles que não podiam comungar sacramentalmente a fazer a Comunhão espiritual com a seguinte oração:
Meu Jesus, eu creio que estais presente no Santíssimo Sacramento do Altar. Amo-vos sobre todas as coisas, e minha alma suspira por Vós. Mas, como não posso receber-Vos agora no Santíssimo Sacramento, vinde, ao menos espiritualmente, a meu coração. Abraço-me convosco como se já estivésseis comigo: uno-me Convosco inteiramente. Ah! não permitais que torne a separar-me de Vós!
Papa Francisco