Homilia para o 4º Domingo da Páscoa – Ano B,
proferida a 25 de abril de 2021
por Dom Martinho do Carmo OSB
At 4,8-12; Sl 117; 1Jo 3,1-2; Jo 10,11-18
Introdução
“O bom pastor dá a vida por suas ovelhas… Eu dou minha vida pelas ovelhas… Eu dou a minha vida… eu a dou por mim mesmo”. Ao repetir com insistência estas palavras, São João diz-nos claramente que elas exprimem uma realidade central sobre o mistério da pessoa de Jesus, e nos revela a essência do que Jesus quis ser para nós, e do que ele fez por nós. Com este convite a interpretar assim a vida de Jesus à luz deste dom de sua vida que ele fez por nós, o evangelista também nos ensina que sentido podemos dar à nossa própria vida, se quisermos torná-la semelhante à vida do Senhor.
Homilia
Caros irmãos e irmãs, Jesus é o único pastor autêntico porque ele é o único que dá livremente sua vida por suas ovelhas. Qualquer simples comparação é aqui largamente ultrapassada: nenhum pastor, no sentido literal do termo, será morto por causa dos animais de seu redil, porque nenhum rebanho, por mais numeroso que seja, vale a vida de um ser humano. Mas as ovelhas das quais Jesus se declara pastor, são seus discípulos, dos quais cada um lhe é tão caro que bastaria para justificar o sacrifício da própria vida.
Se Jesus dá sua vida é, antes, porque ele é Deus, e porque a doação de si é o ato próprio pelo qual Deus é Deus: Deus se doa, antes de tudo, nessa entrega de amor que é a vida trinitária e, depois, no dom que faz a todos os seres humanos criados à sua imagem e semelhança, para fazer-nos entrar na grande corrente de vida incessantemente dada e recebida, que é a via Trinitária.
Jesus, Deus nascido de Deus e homem entre os homens, tem o poder não só de “dar vida”, mas de “dar sua vida”, poder este que só pertence a Deus. E se, todavia, também nós podemos dar a nossa vida, isso é porque Deus nos concede esta graça, comunica-nos o seu privilégio. Em tempos em que tantos homens e mulheres, sentindo-se ameaçados de morte, se revoltam com a ideia de que serão privados da vida, nós, cristãos, temos a possibilidade de transformar tal realidade em um ato de libertação, um ato de grande alegria, de grande dignidade em poder dizer como Jesus: não, “Ninguém tira a minha vida, eu a dou por mim mesmo”, sabendo ainda que, desta forma, teremos vivido em plenitude.
Para nos ajudar a compreender que o verdadeiro sentido da vida é orientá-la para este dom, Jesus mostra-nos o que acontece quando nos recusamos a fazê-lo. É por isso que ele contrapõe ao bom pastor a imagem do mercenário. Diante do perigo, o mercenário foge, porque para ele as ovelhas não importam realmente; ele só se preocupa com elas na medida em que pode tirar proveito disso. Na primeira ameaça, ele as abandona, criando assim o rebanho do “salve-se-quem-puder”, da dispersão e da morte. Ao contrário, a dedicação que vai até ao fim de si mesmo, ou seja, que vai até ao dom da própria vida, reúne e salva da morte.
Expor a própria existência por causa de Cristo e do seu Evangelho, ou por causa daqueles que nos são confiados, só faz sentido, finalmente, no amor: “Ninguém tem amor maior do que aquele que dá sua vida pelos que ama”, dirá Jesus (Jo 15,13). Mas hoje ele nos fala deste amor, mais no sentido de conhecimento – “Conheço as minhas ovelhas, e elas me conhecem” (10,14) –, um conhecimento recíproco entre Ele e nós, que se enraíza no conhecimento recíproco entre Jesus e seu Pai, uma intimidade mútua que expressa uma comunhão de amor tão infringível quanto a comunhão do Pai e do Filho. Jesus é o Bom Pastor, não somente em virtude de sua relação com suas ovelhas, mas também em virtude de sua relação com Deus Pai. Ele nos ama como o Pai o ama e como Ele ama o Pai. Assim, a prontidão de Jesus em morrer pelos seus não resulta apenas de seu compromisso com as ovelhas, mas se fundamenta em sua intimidade com seu Pai.
E Jesus continua dizendo: “Tenho ainda outras ovelhas (…) elas escutarão a minha voz, e haverá um só rebanho e um só pastor.” (10,16). Jesus, o verdadeiro pastor, funda uma nova comunidade identificando-se com a humanidade e destruindo todas as divisões. Esta unidade redescoberta do povo de Deus é fruto da morte de Jesus, verdadeiro pastor que reúne os seres humanos dando livremente sua vida por nós.
Mas esta vida que ele dá por nós, ele também tem o “poder de recebê-la novamente” (10,18): ele não fica prisioneiro da morte, mas retorna ao Pai, cujo amor nunca cessa de sustentá-lo. Sua morte é uma passagem para a vida, e torna-se para nós a fonte da vida, conforme temos celebrado durante todo este tempo pascal.
Finalmente, por meio de nossa comunhão com o seu Corpo – a Eucaristia –, Jesus viverá em nós o mistério que o constitui Filho de Deus e Salvador do gênero humano, dando sua vida ao Pai, oferecendo-a por nós. Deixemo-nos, portanto, conduzir por Aquele que assume a liderança da humanidade ao conduzi-la no caminho de sua Páscoa, caminho ao longo do qual também entregamos nossa vida, caminho ao longo do qual recebemos a vida em plenitude.
Caríssimos irmãos e irmãs, Jesus nos diz hoje: “Meu Pai me ama, porque dou a minha vida”. Mas, e nós? Que resposta damos quando Ele nos pergunta como fez a Pedro: “Tu me amas?”. Ele precisa nos fazer tal pergunta de forma incessante por causa de nossas fraquezas e recaídas. É por isso que a expressão “apesar de sua fraqueza” é colocada na oração coleta da liturgia deste domingo. Nossa resposta deve ir além de uma simples declaração emocional, deve nos comprometer e nos introduzir nesta comunhão entre de Cristo em seu Pai.
O Senhor Ressuscitou verdadeiramente! Amém! Aleluia!
Após a comunhão
Caros irmãos e irmãs, desde o início da quarentena na Itália, quando a missa no Vaticano era celebrada sem a participação dos fiéis, o Papa Francisco sempre convidava àqueles que não podiam comungar sacramentalmente a fazer a Comunhão espiritual com a seguinte oração:
Meu Jesus, eu creio que estais presente no Santíssimo Sacramento do Altar. Amo-vos sobre todas as coisas, e minha alma suspira por Vós. Mas, como não posso receber-Vos agora no Santíssimo Sacramento, vinde, ao menos espiritualmente, a meu coração. Abraço-me convosco como se já estivésseis comigo: uno-me Convosco inteiramente. Ah! não permitais que torne a separar-me de Vós!
Papa Francisco