Homilia para o Batismo do Senhor – Ano B,
proferida a 10 de janeiro de 2021
por Dom Martinho do Carmo OSB

Is 42,1-4.6-7; Sl 28; At 10,34-38; Mc 1,7-11

Introdução

Caros irmãos e irmãs, com a Festa do Batismo do Senhor a Igreja conclui o ciclo das festas de Natal. Vimos como Jesus se manifestou aos pastores e aos magos que, chegando do Oriente, o adoraram e lhe ofereceram seus dons. De fato, a vinda de Jesus ao mundo é para nós manifestação do amor de Deus que nos salva.

Hoje, no Jordão, acontece uma nova manifestação da divindade de Jesus: o céu se abre e o Espírito Santo, em forma de pomba, permanece sobre ele, ao mesmo tempo em que se ouve a voz do Pai: “Tu és o meu Filho amado, em ti ponho meu bem-querer” (Mc 1,11). Hoje é o próprio Pai e o Espírito Santo que nos manifestam o Salvador. É Deus mesmo que nos revela quem é Jesus: seu Filho amado. E n’Ele todos nós também o somos e participamos deste mesmo amor trinitário!

Homilia

Naqueles dias, Jesus veio de Nazaré da Galileia. Na noite de Belém, contemplamos um recém-nascido. Hoje no Jordão é um homem em plena idade adulta que vem até nós. Por mais de trinta anos, Jesus cresceu “em sabedoria, estatura e graça, diante de Deus e diante dos homens” (Lc 2,52). Ele, “existindo em condição divina, esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo” (Fl 2,6-7). Ele, a Sabedoria Criadora, por meio de quem Adão foi modelado da terra, assumiu o lento crescimento da nossa carne, submetendo-se às leis do desenvolvimento do nosso corpo e da nossa mente, aprendendo de Maria os mil e um gestos da nossa vida corporal e material: “Este homem não é o filho de Maria?”, dizia o povo de Nazaré (Mc 6,3). Ele, o Verbo de Deus pelo qual tudo é chamado à existência e disposto em harmonia, assumiu o rude aprendizado da nossa inteligência, submetendo-se às leis da nossa razão e do nosso conhecimento, aprendendo de José os mil e um gestos da nossa vida social e profissional: “Este homem não é o carpinteiro?” (Mc 6,3) voltava a dizer o povo de Nazaré. Ele, o Filho Único que é um com o Pai no Espírito Santo assumiu o obscuro aprendizado de nossa fé submetendo-se às leis de nossa alma e de nossa vida espiritual, aprendendo de Maria e de José os mil e um gestos de nossa vida de oração pessoal e comunitária. “Conforme seu costume, entrou na sinagoga no sábado, e levantou-se para fazer a leitura”, diz o Evangelho de São Lucas (4,16). Ele, “existindo em condição divina, esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo e tornando-se igual aos homens” (Fl 2,6-7). Assumindo e submetendo-se a todas as capacidades e limitações do ser humano, recriando e santificando toda a natureza humana à imagem e semelhança de Deus, comportando-se em tudo como homem… Mas, em tudo mesmo? Não exatamente. Em tudo semelhante ao homem, exceto o pecado. Viveu exatamente como um homem, exceto o casamento. Não porque este último fosse algo ruim. Muito pelo contrário: é como se Ele soubesse que, mesmo em sua carne, estava reservado à outras núpcias, mais grandiosas e misteriosas: “Deus amou tanto o mundo, que deu o seu Filho único” (Jn 3,16).

… E foi batizado por João no rio Jordão. Na noite de Belém, contemplamos um recém-nascido envolto em panos. Hoje no Jordão vemos um homem envolto nas águas do rio. Tornando-se igual aos homens, ele comportou-se em tudo como homem, exceto no pecado. E ali está João a dizer: “Eu sou a voz que grita no deserto: ‘Aplainai o caminho do Senhor’” (Jo 1,23). “Toda a região da Judeia e todos os moradores de Jerusalém iam ao seu encontro. Confessavam seus pecados e João os batizava no rio Jordão”. (Mc 1,5). Ali está o rio Jordão, que desce com suas águas escuras carregando todos os pecados do povo. Ali está João, às margens do Jordão, proclamando: “Depois de mim virá alguém mais forte do que eu. (…) Eu vos batizei com água, mas ele vos batizará com o Espírito Santo” (Mc 1,7-8). Ali está o Jordão, que envolve em suas águas escuras a carne imaculada do Deus-Forte. Nu saiu ele do ventre materno, e Maria o envolveu nos panos de nossa humanidade; nu ele é imerso nas águas do Jordão que o envolve nas ondas de nossos pecados; nu ele será pregado na cruz e José de Arimatéia o envolverá no sudário da nossa morte. Tornando-se igual aos homens, ele viveu exatamente como um homem, exceto o casamento. E João, ali à beira do Jordão, testifica: “É o noivo que recebe a noiva, mas o amigo do noivo, que está presente e o escuta, enche-se de alegria ao ouvir a voz do noivo” (Jo 3,29). O Noivo está ali: é Jesus, em quem Deus que veio desposar a nossa humanidade; a Noiva também está lá: um povo de pecadores chamado a se tornar uma Igreja santa através do madeiro da Cruz. E João, o amigo do Noivo, está igualmente ali, cheio de alegria, testemunhando as misteriosas núpcias que acontecem ali às margens do Jordão. “Cristo amou a Igreja e se entregou por ela afim de torná-la santa, purificando-a com o banho da água unida à Palavra. Ele quis apresentá-la a si mesmo esplêndida, sem mancha nem ruga, mas santa e imaculada” (Ef 5,26-27). Sim, eis o Banquete Nupcial do Cordeiro, e sua Noiva que para ele se enfeitou. Pois “nisto consiste o amor: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi ele que nos amou e enviou o seu Filho como vítima de reparação pelos nossos pecados” (1Jo 4,10). E o evangelho de hoje continua dizendo que “logo, ao sair da água, [Jesus] viu o céu se abrindo (Mc 1,10). Na noite de Belém, contemplamos um recém-nascido, deitado em uma manjedoura. Hoje, no Jordão, vemos um homem de pé em sua glória. “Tornando-se igual aos homens, e encontrado com aspecto humano, humilhou-se a si mesmo, fazendo-se obediente até a morte, e morte de cruz. Por isso, Deus o exaltou. (Fl 2,7-9). Para Jesus, e para a toda a humanidade, à qual ele se uniu em sua carne, os céus estão abertos. Em sua carne, Ele destruiu o muro de separação do pecado: doravante, todos podemos reencontrar o paraíso. Para Jesus, e para a toda a humanidade, à qual ele se uniu em sua carne, o Espírito desce como uma pomba. Ele selou em seu sangue a Nova Aliança: doravante, todos podemos ser participantes da natureza divina. Para Jesus, e para a toda a humanidade, à qual ele se uniu em sua carne, uma voz veio do céu e disse: “Tu és o meu Filho amado, em ti ponho meu bem-querer” (Mc 1,11). Ele nos reconciliou com Deus por meio de sua Cruz: doravante, todos somos filhos de Deus e podemos clamar: “Abba, Pai!”. Nas águas do Jordão cumpre-se o mistério da manjedoura de Belém: Deus desposou nossa humanidade, assumindo nossa carne até as últimas consequências, inclusive nosso pecado e nossa morte. Nas águas do Jordão anuncia-se o mistério do túmulo vazio: Deus desposará a nossa humanidade fazendo-a entrar no infinito da sua Vida, da sua Luz e do seu Amor. E o Espírito Santo deposita nas águas do Jordão esse poder reconciliador da Cruz. “Vede que grande presente de amor o Pai nos deu: de sermos chamados filhos de Deus! E nós o somos!” (1Jo 3,2). Felizes os convidados para o Banquete nupcial do Cordeiro! Felizes aqueles que aceitam e assumem todas as capacidades e limitações da sua humanidade para oferecê-las a Cristo! Felizes os que aceitam ser visitados pelo Cristo no mais íntimo de si mesmos para serem recriados em Cristo. Felizes aqueles que lavam suas vestes no sangue do Cordeiro! Felizes aqueles que aceitam construir suas vidas no amor até o ponto de darem suas vidas por seus irmãos, como Cristo fez! Felizes os que aceitam “oferecer o próprio corpo como hóstia viva, santa e agradável a Deus” por meio de Cristo (cf. Rm 12,1). Felizes somos nós pois, se assim vivermos aqui na terra, entraremos no salão das núpcias eternas, e “quando Jesus se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque o veremos tal como ele é” (1Jo 3,2).

Amém!


Após a comunhão

Caros irmãos e irmãs, desde o início da quarentena na Itália, quando a missa no Vaticano era celebrada sem a participação dos fiéis, o Papa Francisco sempre convidava àqueles que não podiam comungar sacramentalmente a fazer a Comunhão espiritual com a seguinte oração:

Meu Jesus, eu creio que estais presente no Santíssimo Sacramento do Altar. Amo-vos sobre todas as coisas, e minha alma suspira por Vós. Mas, como não posso receber-Vos agora no Santíssimo Sacramento, vinde, ao menos espiritualmente, a meu coração. Abraço-me convosco como se já estivésseis comigo: uno-me Convosco inteiramente. Ah! não permitais que torne a separar-me de Vós!

Papa Francisco

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