HOMILIA IX DOMINGO TC-B (Mc 2, 23-3, 6)

D. Paulo DOMICIANO, OSB

A primeira leitura, do Livro do Deuteronômio, nos recorda o terceiro mandamento, sobre a santidade do sábado, o shabat. No Evangelho de hoje, é este mandamento tão importante para os judeus que se torna o motivo da tensão entre as autoridades religiosas e Jesus.

“Jesus estava passando por uns campos de trigo, em dia de sábado. Seus discípulos começaram a arrancar espigas, enquanto caminhavam”. Isso escandaliza os fariseus, pois a lei do shabat proibia todo trabalho manual e limitava até mesmo a quantidade de passos que podiam ser dados naquele dia. No entanto, os discípulos não tinham a intenção de ignorar o mandamento ou serem revolucionários, mas, simplesmente estavam com fome e precisavam comer, por isso colheram as espigas e romperam o shabat.

Em seguida, entrando na Sinagoga, Jesus encontrou um homem com a mão atrofiada. Seus rivais, já escandalizados com os discípulos que trabalhavam, observam para ver se ele haveria de curar o doente em dia de sábado para poderem acusá-lo, visto que essa ação também era proibida, pois era considerada um trabalho.

Jesus não ignora a santidade do shabat. Ao contrário, Ele mesmo o observa; foi à sinagoga, justamente porque era sábado. Do mesmo modo, observa o preceito das festas e as tradições de seu povo. Mas questiona: “É permitido no sábado fazer o bem ou fazer o mal? Salvar uma vida ou deixá-la morrer?” O que é mais sagrado no shabat: o legalismo ou o amor a Deus e ao próximo?

Quando se perde de vista o caráter espiritual do mandamento e da religião caímos no formalismo mecânico, acreditando que basta observar a lei pela lei, esquecendo o real motivo pelo qual se busca ser fiel. É nessa perspectiva que podemos compreender melhor o conflito que se estabelece entre as autoridades religiosas e Jesus. A observância do mandamento do sábado é legítima e sagrada, mas os rivais de Jesus perderam de vista o fundamento do mandamento que é o amor de Deus, primeiro de todos os mandamentos, e o amor ao próximo, que é a dimensão pessoal e relacional da religião.

Nas duas situações apresentadas observamos que é a caridade, a atenção para com a necessidade do próximo, que está em questão. Jesus não vem para abolir a Lei, como Ele mesmo diz, mas para cumpri-la (cf. Mt 5,17). E ainda nos adverte: “se a vossa justiça não superar a dos letrados e fariseus, não entrareis no reino de Deus” (Mt 5,20). Ele vem para proclamar, justamente, que é o Amor que realiza o mandamento.

Para Jesus, o bom judeu não é aquele que apenas cumpre a Lei, mas aquele que ama a Deus e ao seu irmão, acima de tudo. Os mandamentos devem nos ajudar a viver o preceito do amor, caso contrário, nos tornamos duros, fechados, insensíveis. Jesus olha para aqueles homens presentes na sinagoga, que estavam ali, teoricamente, para celebrar o sábado, para realizar um culto de louvor a Deus, mas a única coisa que conseguiam celebrar eram suas próprias convicções e certezas humanas, sem se darem conta da grandeza e da beleza daquilo que se passava diante de seus olhos: a chegada do Senhor do Shabat.

Se o sábado é sagrado para o judeu, porque em seis dias Deus criou o mundo, mas no sétimo descansou. Para nós cristãos é o Domingo que passou a ser o “Dia do Senhor” (Dies Domini – Domingo), porque em seis dias Deus criou o mundo, no sétimo descansou e no “oitavo” dia, o primeiro da semana, no Domingo, Ele ressuscitou Jesus e em Cristo nos fez a todos novas criaturas! Jesus não aboliu a lei do sábado, mas a transformou, nos dando o Domingo como dia para celebrarmos as maravilhas que Ele operou para a nossa salvação com sua Páscoa.

Hoje somos convidados também a refletir sobre a importância do Domingo em nossa vida cristã. Não como uma obrigação a ser cumprida, caindo no mesmo legalismo dos fariseus do Evangelho, mas como um dom, uma graça que Deus nos dá.

“Não tenhais medo de dar o vosso tempo a Cristo! (…) O tempo dado a Cristo, nunca é tempo perdido, mas tempo conquistado para a profunda humanização das nossas relações e da nossa vida.” É o que incentiva S. João Paulo II considerando que é dever de todo cristão “dar” o domingo a Deus. O Papa continua: “(o domingo) é a Páscoa da semana, na qual se celebra a vitória de Cristo sobre o pecado e a morte, o cumprimento n’Ele da primeira criação e o início da ‘nova criação’. É o dia da evocação adorante e grata do primeiro dia do mundo e, ao mesmo tempo, da prefiguração, vivida na esperança, do ‘último dia’, quando Cristo vier na glória e renovar todas as coisas” (Dies Domini 1).

Diante disso, deixemos a questão: como vivo, como celebro o Domingo? É de fato Dies Domini – Dia do Senhor ou “meu dia”; ou o dia de não fazer nada; ou um dia como os outros, cheio de afazes e agitação… Permitamos viver o Domingo como Dia do Senhor, dia de ação de graças, de repouso/contemplação, dia de aprofundar os laços familiares e de amizade, os laços com a comunidade eclesial. Que a celebração do Dia do Senhor transforme nosso coração para que possamos viver a nossa fé, não como obrigação ou como legalismo, mas como dom, como abertura à ação de Deus em nós e como abertura aos nossos irmãos.  

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