7º Domingo do Tempo Comum (Lc 6, 27-38)

Dom Afonso VIEIRA, OSB

A liturgia deste domingo nos convida a esquecermos o “olho por olho, dente por dente”, onde classificamos os nossos irmãos por suas ações. No Evangelho vimos que Jesus tinha passado a noite em oração, pois Ele falava sempre com o Pai antes de tomar decisões importantes. Descendo do monte, Jesus encontrou, à sua espera, “uma grande multidão …, que acorrera para o ouvir e ser curada dos seus males” (Lc 6,17-18). Pessoas que desejavam conhecer Jesus, e então Ele pronunciou uma longa “instrução” (cf. Lc 6,20-49), onde definia o caminho que deviam seguir todos os que estavam interessados em conhecer o Reino de Deus.

Esse texto, do Sermão da Planície, nos convida a escutar como o Evangelho, define os traços fundamentais da identidade do verdadeiro discípulo. Pois, de acordo com Jesus, o “amor” – gratuito, incondicional, ilimitado, sem fronteiras – é o centro da identidade do verdadeiro discípulo. Jesus diz à aqueles que o seguem como é que devem lidar com aqueles que são maus: “amai os vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, abençoai os que vos amaldiçoam, orai por aqueles que vos injuriam” (vers. 27-28). Essas são afirmações que vão “contra a corrente”, completamente diferente de como nossos instintos agem. Na verdade, o Antigo Testamento já conhecia a exigência do amor ao próximo. Como vimos na primeira leitura, onde Davi reconhece que a violência não é a solução que Deus propõe para parar a agressão. Davi acredita que ninguém tem o direito de tirar a vida a outra pessoa, mesmo que se trate de um inimigo. Nesta história, Davi, é o modelo do homem de coração magnânimo, que pode vingar-se do agressor, mas não o faz, pois sabe que a vida de qualquer pessoa é sagrada e inviolável. É importante notarmos que, mais de mil anos antes de Cristo, numa época de grande brutalidade, a catequese de Israel ensine que o perdão é a única saída para a violência; é extraordinário que, num tempo em que a vida humana parecia valer tão pouco, se ensine que a vida de uma pessoa – mesmo que seja a de um agressor – pertence só a Deus e que só Deus tem direito sobre ela.

Jesus, nas mais diversas situações em que abordou esta questão, nunca deu a entender que o amor e o perdão deviam ser condicionados por qualquer tipo de barreiras. Para o Senhor, é preciso simplesmente amar o próximo; e o próximo é, sem exceção, o outro (cf. Lc 10,29-37). Esse “outro” é também o que é inimigo, aquele que nos odeia, aquele que nos calunia e amaldiçoa, aquele que não pertence ao nosso povo e está separado de nós por preconceitos ancestrais. Independentemente da identidade, da família étnica, das razões de caráter histórico, das atitudes do “outro”, o discípulo de Jesus ama sem condições, sem desculpas, sem exceções, e isso é o que esse “sermão da planície” nos coloca. Podemos imaginar a perplexidade daqueles que, naquele dia, escutaram aquelas palavras. Pareciam-lhes uma provocação, um “monte” de exigências “impossíveis”. Mas Jesus, deixa bem claro o caminho que os seus discípulos eram chamados a percorrer, num viver o amor sem limites nem condições: “a quem te bater numa face, apresenta-lhe também a outra; e a quem te levar a capa, deixa-lhe também a túnica…” (vers. 29-30).

Jesus nos diz que, quando confrontados com a maldade, não devemos apenas evitar responder na mesma moeda, mas devem também fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para inverter a espiral de ódio e violência que destrói as relações humanas e as relações sociais. O discípulo de Jesus não é convidado a ficar sem reagir, suportando num silêncio covarde a maldade; mas a procurar vias do diálogo e do entendimento. Estando disponível para estender a mão ao agressor para o recuperar. O amor transforma e reabilita, diferente do ódio que alimenta a fogueira do confronto e da violência. A reflexão de Jesus desemboca numa “máxima” a que alguns chamam a “regra de ouro” da caridade cristã: “o que quiserdes que os homens vos façam, fazei-o vós também” (vers. 31). O foco deve ser posto no bem do outro. Ora, aquilo que consideramos bom para nós, também o será, com toda a certeza, bom para o outro.

O que Jesus quer que entendamos é que é o fato de sermos filhos de um Deus bom, de um Deus que ama todos sem exceção, mesmo os que são maus e ingratos, deve fazer com que busquemos a ser como o Pai é. Se Deus é misericordioso, os seus filhos também o devem ser. O amor, o perdão, a misericórdia são os sinais identificadores dos verdadeiros filhos de Deus (vers. 35-36). Assim como na segunda leitura Paulo nos diz que “Se há um corpo terreno, também há um corpo espiritual” (1Cor 15,44b), que é à imagem de Cristo ressuscitado. Nesse “corpo espiritual” estará presente o homem inteiro, dotado de novas qualidades – as qualidades do Homem Novo. Esse é homem novo que que Jesus nos convida a ser quando nos diz para dar a outra face. E assim, nesse texto, Jesus vai a uma espécie de gradação nas afirmações do não julgar, para o não condenar; do não condenar para o perdoar e do perdoar, avança-se para a generosidade, para o dar sem medida. O caminho do discípulo é um caminho sempre a subir, sem retrocesso; é um avanço progressivo em direção ao céu. Nesse caminho cada passo está balizado pelo amor de Deus. Meus irmãos, a Palavra de Deus precisa ser tomada e meditada, para que seja compreendida e aproveitada. Jesus não dá lições de filantropia, mas nos convida a erguer os olhos para Deus seu Pai, a fim de se tornarem semelhantes a Ele. Não é uma lição de moral, mas fundamentalmente um ato de fé do qual decorre um conjunto de comportamentos. Jesus, o Filho de Deus Altíssimo, veio tirar o homem de tudo aquilo que o pode afastar da semelhança com Deus, que é o pecado. Ele é a perfeita imagem de Deus, como Ele disse “Quem Me viu, viu o Pai”. As suas palavras são palavra de Deus, os seus gestos são gestos de Deus. O nosso desafio está em procurarmos ser semelhantes a Jesus, ser perfeitos como o Pai Celeste é perfeito.

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