HOMILIA V DOMINGO DO TC/ C (Lc 5,1-11)

D. Paulo DOMICIANO, OSB

A liturgia da Palavra deste domingo nos coloca diante de três personagens diferentes – Isaías, Paulo e Pedro – para nos falar de sua vocação. O fato de podermos nos aproximar dessas figuras bíblias, colocadas em paralelo, nos permite perceber algo da pedagogia divina que, de algum modo, nos diz respeito em particular e como Igreja.  Por isso, a estes três relatos de vocação, gostaria de chamar atenção para um outro: aquele que está sendo escrito em nossa história hoje, ao ouvirmos a Palavra de Deus, que nos interpela e convoca, desde que estejamos dispostos a ouvi-la, como esta multidão que cerca Jesus e se aperta ao seu redor para ouvir a palavra de Deus.

Dois aspectos fundamentais estão presentes nestas três experiências: de um lado, o encontro com a realidade de Deus é percebido como algo que ultrapassa radicalmente o ser humano; de outro, a consciência e o reconhecimento dos próprios limites, fragilidades e pecados diante de Deus. Na vocação estas duas realidades se encontram, não para entrar em choque, mas para se transformarem mutuamente.

A vocação acontece nesse processo de aprofundamento do conhecimento de Deus e, consequentemente, do conhecimento de si mesmo. Quanto mais nos aproximamos de Deus, mais descobrimos quem realmente somos. Vamos descobrindo a grandeza, a transcendência de Deus, enquanto descobrimos a sua proximidade, sua paciência, sua misericórdia revelada em Jesus Cristo, seu Filho amado. Este contato com a misericórdia de Deus nos faz perceber a nossa própria fragilidade, nosso pecado. Não como motivo de culpa, de medo ou de vergonha, mas com sentimento de contrição, com desejo de mudança; isso que os padres monásticos chamam de “compunção do coração”. Esta consciência de ser pecador nos faz perceber que tudo o que somos e o que temos é dom imerecido, fruto da misericórdia de Deus em nossa vida, e isso é libertador.

Os nossos textos de hoje nos mostram que a visita de Deus em nossa vida nos conduz ao reconhecimento de nossa condição de pecadores, não para nos oprimir, mas para nos transformar, para nos capacitar para uma missão nova e cheia de sentido neste mundo. A vida daquele que se deixa encontrar com o Senhor é transformada, como Isaías, como Pedro e seus companheiros, ou como Paulo que, sem ilusões sobre si mesmo, pode afirmar “é pela graça de Deus que eu sou o que sou. Sua graça para comigo não foi estéril” (1Cor 15,10).

Talvez preferíssemos que a visita do Senhor em nossa vida se desse em condições ideias. Naquela manhã, Jesus se aproximou da realidade de fracasso e frustração de Pedro e seus companheiros de pesca depois de uma noite inteira de trabalho sem sucesso. Ele entrou em sua barca vazia e frágil e fez dela o lugar do anúncio da Palavra de Deus. O Senhor vem ao nosso encontro em nosso cotidiano, como ele é, muitas vezes caótico, e isso nos desconcerta, nos apavora. Ele entra na situação em que estamos para transformá-la, desde que aceitemos soltar as amarras que ligam nossa barca à terra, como fez Pedro, deixando nossas falsas seguranças, saindo da superficialidade e indo para o profundo, e permitimos que o Senhor assuma o controle do barco, nos conduzindo a uma vida nova.

“Não temas” é a palavra de Jesus a Pedro e a cada um de nós, seus discípulos. “Vamos para águas mais profundas”, Ele nos diz. Não podemos nos contentar em permanecer vivendo no raso por puro comodismo. O Senhor acredita em nós, sabe que somos capazes de navegar em águas mais profundas e fecundas se permanecermos unidos a Ele.

O Senhor nos convida a fazer hoje esta experiência de travessia de nosso mar de medo e insegurança às águas vivificantes da fé e da confiança Nele. Que Ele nos conceda a graça de nos abrir à sua visita em nossas vidas hoje e que sua graça trabalhe em nosso interior (cf 1Cor 15,10) fazendo de nós homens e mulheres novos, livres de nossas amarras e de nossos medos para melhor servi-lo.

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