5º Domingo da Páscoa – C.
At 14,21b-27; Sl 144; Ap 21,1-5a; Jo 13,31-33a.34-35
Paróquia Senhor Santo Cristo (Cidade Tiradentes), São Paulo, SP.
15 de maio de 2022

Caros irmãos e irmãs, quando Jesus nos diz hoje estas palavras, Judas havia acabado de sair, para vender seu Mestre. Assim que ele partiu é que Jesus disse:

“Agora foi glorificado o Filho do Homem”.

(Jo 13, 31)

Mas, esse “agora”, não se refere à traição e suas consequências: a prisão, o julgamento, a flagelação, a coroação de espinhos, as humilhações, carregar a cruz, a crucificação, a longa agonia e morte de Jesus? Esse “agora” não é o triunfo do ódio e do mal: como Jesus poderia ser glorificado? Além disso, como Deus seria glorificado nele? Como Deus pode ser glorificado em seu Filho sendo traído e morto?

Bom, num evangelho tão curto como este, precisamos estar atentos aos detalhes. Por exemplo, é dito que Deus glorificará Jesus “logo”. Temos aqui um detalhe crucial – “logo” – que nos permite entender que, de fato, logo após sua Paixão e Morte, o Pai o ressuscitou dos mortos. Assim, quando o Pai dá glória a Jesus, compreendemos e aderimos inteiramente a isso; mas, quando Jesus dá glória ao Pai – em sua Paixão e Morte –, vacilamos e nos bloqueamos.

Ora, será possível que esse verbo “glorificar” (δοξάζω) tenha dois sentidos, dois significados? Um, de cima para baixo, onde o Pai glorifica ressuscitando o Filho, ou seja, tornando divina a carne de Jesus que até então era mortal. E outro, de baixo para cima, em que Jesus glorifica seu Pai sacrificando-se, ou seja, oferecendo sua carne mortal, aceitando que ela seja entregue, crucificada, sangrada. Dois significados absolutamente diferentes.

Quando Deus glorifica, é o Todo-Poderoso quem age: portanto, nenhuma resistência lhe é possível, nenhum obstáculo pode ser opor. Mas, em outra sentido, para que Deus seja glorificado, Jesus teve que enfrentar uma resistência terrível, obstáculos gigantescos: Ele aceitou carregar os pecados de toda a humanidade, passados ​​e futuros, ele assumiu todas as faltas. Jesus tomou sobre si tudo o que o mundo pode produzir de ruim; ele se deixou marcar pela maldade da humanidade. E aceitou tudo isso livremente. E foi justamente “aceitando” que Ele glorificou seu Pai.

Esse amor demonstrado por Jesus em favor de todas as criaturas, não só para arrebatar-nos da morte – para salvar-nos –, mas também para carregar-nos nas costas, para levar-nos consigo ao Pai, é isso que dá glória a Deus. Quando cremos nisso com todo o coração e com todas as forças, então, somos cristãos.

E isso é fundamental para compreender o que vem a seguir:

“Eu vos dou um novo mandamento: amai-vos uns aos outros”.

(Jo 13, 34)

Pilatos perguntou a Jesus: “O que é a verdade?”; mas se se ele estivesse presente neste momento do evangelho, perguntaria: “O que é o amor?”. A propósito, será que “amar” tem, para nós, o mesmo significado que tem para Jesus? Porque nós só podemos falar de amor a partir de nossa pequena experiência pessoal de amor, que é misturada, muitas vezes, ao nosso egoísmo ou restrita aos limites de nossa experiencia humana de amor… Nesse sentido, não seria então meio ridículo e até prepotente querer alcançar esse amor segundo Jesus?

De fato, é uma boa objeção. Mas é por isso que Jesus já nos responde chamando seus discípulos de:

“Filhinhos”

(Jo 13, 33a)

É a única vez em todo o Evangelho! Não é que Jesus nos trate como bebês, mas ele fala com o homem novo em nós, que ainda é muito jovem na fé… É como Jesus nos dissesse: “Filhinhos, amai-vos uns aos outros, assim como eu vos amei, oferecendo-vos generosamente, sacrificando-vos com liberdade, indo até o fim, assim como eu fiz; dei-vos o exemplo para poder preparar-vos o caminho, e imitando-me, certamente podereis fazer a mesma coisa”.

Portanto, caríssimos irmãos e irmãs, se queremos receber a glória de Jesus, aquela que o Pai dá, não deveríamos começar oferecendo a glória de Jesus, aquela que ele dá ao Pai – o sacrifício da Cruz? Para isso, primeiro nos unamos a ele por meio de um relacionamento permanente: a fé. Só assim poderemos sermos unidos entre nós, cristãos, como membros de um mesmo Corpo, pelo vínculo da caridade. A fé e a caridade geram em nós um desejo santo: o desejo de morrer para nossas cobiças e egoísmos, para nossas lamentações e rancores, para nosso ódio e ciúmes…

É na cruz que Jesus nos prometeu o Paraíso e entregou-nos seu Espírito. Segundo São João, é na Cruz que aconteceu o Pentecostes (jorrou sangue e água). Sim, nossa missão neste mundo é assumir a Cruz de Cristo e nossas cruzes cotidianas, inspirar o seu Espírito quando nos falta ar em nossas tribulações, e receber a herança do Paraíso onde o Pai, um dia, nos cumulará com a glória preparada para seus filhinhos queridos. Amém! Aleluia!

Dom Martinho do Carmo, osb

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