4º Domingo do Advento – A
Is 7,10-14; Sl 23; Rm 1,1-7; Mt 1,18-24
18 de dezembro de 2022
Homilia
Se o povo de Israel desempenhou um papel considerável na história antiga, certamente não foi por sua importância numérica ou militar, mas por sua posição estratégica. Israel era uma espécie de zona intermediária entre as grandes potências da época: primeiro entre a Assíria e o Egito, e depois entre a Pérsia e o Império Greco-Romano. Essas superpotências, cada uma por sua vez, viam como seu direito e dever atuar como polícia internacional e impor ou depor os líderes do povo de Israel. Na época do nascimento de Jesus, a Judéia estava sob a autoridade de um rei que era uma marionete dos romanos e a Galiléia sob um governador romano.
O Filho de Deus não nasceu em nenhuma das superpotências da época, mas em um pequeno país que era desprezado e repetidamente invadido por uma ou outra dessas superpotências.
Uma das coisas que todas as três leituras de hoje têm em comum é o título “Filho de Davi”, dado a Jesus e a José. Destaca-se assim o caráter profundamente humano da intervenção de Deus na história. O Filho de Deus não encarnou “do nada”. Ele se tornou um homem – um homem concreto – nascido em um momento particular da história da humanidade, em um determinado povo e em uma família muito específica. Esse ambiente particular o modelou, deu a Jesus as categorias de pensamento e de linguagem que lhe permitiram falar conosco usando um conjunto muito específico de imagens e conceitos próprios àquela cultura.
Sua missão foi realizada em uma vida humana muito comum. Uma criança nasce de uma mulher. Uma mulher muito jovem. Se Maria ficou noiva na idade habitual de sua sociedade, ou seja, no início da puberdade, ela devia ter entre 12 e 14 anos quando deu à luz Jesus. Seguindo os mesmos costumes, José devia ter entre 13 e 15 anos – não o velho barbudo de tantas representações artísticas. Essa criança cresceu e se tornou um adulto. Exerceu o ofício do pai. Um dia ele sentiu o chamado profético e pregou a boa nova em cidades e aldeias. As autoridades acharam isso embaraçoso, e se livraram dele como haviam feito com tantos outros. Não há nada realmente extraordinário em tudo isso. O mesmo, incluindo a morte, aconteceu com muitos outros. Ora, foi por meio dessa existência humana tão comum que o curso da história foi profundamente mudado e que a salvação foi alcançada.
Mateus, no Evangelho de hoje, assim como Paulo na carta aos Romanos, ou mesmo João no seu Prólogo, querem mostrar que este filho de Israel era mais do que um simples filho de Israel. Ele não era apenas um Judeu piedoso enviado ao povo judeu. Ele era o Emanuel (como ouvimos na primeira leitura de Isaías), o Deus-conosco, para cada ser humano e para todas as raças. Quando Mateus nos fala sobre o nascimento virginal, o que ele quer enfatizar não é tanto um evento milagroso, mas o fato de que Jesus é muito mais do que um filho de Israel. Sim, ele era judeu de nascimento. Sim, seus ancestrais eram judeus. Mas seu verdadeiro pai era Deus que, por meio dele, como havia feito por meio de Adão, deu à luz uma nova raça, uma raça na qual os laços de sangue pouco importavam.
O papel de José nessa história é uma espécie de expressão simbólica da decepção do povo judeu ao descobrir que o Messias não era sua propriedade exclusiva. O nascimento de Jesus põe fim ao domínio de uma raça sobre a outra, de uma cultura sobre a outra. A partir de Jesus, seja qual for a nossa cidadania política, quer pertençamos a um país muito pequeno ou a um Estado poderoso que possa atuar como uma polícia internacional, temos apenas uma cidadania que realmente importa: somos todos filhos e filhas de Deus. Todo o resto, como diria Paulo, numa expressão que só pode ser citada realmente em latim, é “stercora” (Fl 3,8: “considero tudo como excremento, a fim de ganhar a Cristo”).
Outra consequência de tudo isso é que Deus não é apenas “nosso” Deus, e Jesus não é apenas “nosso” Jesus. Ora, estamos acostumados a considerar Jesus como “nosso”; e, claro, como somos generosos, queremos partilhá-lo com os outros! Na realidade, não precisamos “compartilhá-lo” com os outros. Temos que “descobri-lo” nos outros. Ninguém – nem José, nem nós mesmos – pode reivindicar a posse de Jesus.
Isto é o que é absolutamente novo e original. Por que somos cristãos? Precisamente por causa desta finalidade: testemunhar a absoluta igualdade de todos os seres humanos; ajudar a humanidade a finalmente descobrir que ninguém pode, por qualquer motivo, dominar outra pessoa, seja no plano militar e político, seja no plano da religião.
Certa vez ouvi alguém censurar os católicos por quererem “monopolizar a festa de Natal”! – De fato, essa pessoa, em certo sentido, tinha razão… aliás, tinha mais razão do que imaginava: Em nome de Jesus, o “Emanuel”, ou o “Deus conosco”, quando dizemos “nós”, não podemos mais nos dirigir apenas aos cristãos apenas aos católicos. O “nós” do cristão deve, necessariamente, designar “todos nós” seres humanos, quem quer que sejamos, sem exceção. Esta é a grande novidade do Natal, que São José experimentou e que nós também devemos, pela graça de Deus, experimentar.
Dom Martinho do Carmo, osb